Um dos componentes masculinos do meu grupo de amizades (por casualidade, com quem tenho mais afinidade) emprega, por vezes, o vocábulo “galinhas” referindo-se aos elementos femininos, pertençam eles ao grupo ou não. Diz ele que as mulheres quando se juntam parecem galinhas, com mais ou menos penas, mas galinhas na capoeira. Esta forma de tratamento, que não é exclusividade nossa nem é recente, não passa de uma chacota, mas não é do contento de algumas mulheres. A mim não me afecta absolutamente nada! É uma imagem na qual não me revejo nem um bocadinho, e muito menos no depreciativo que, eventualmente, a palavra possa conter, por isso, faço por ignorar o gracejo ou entro na brincadeira. Não vou em grupo à casa de banho, não entro em histeria por dá cá aquela palha, não compro revistas de fofocas (embora a minha vizinha do lado teime em me alimentar a cusquice deixando no meu tapete as revistas que já leu…), não passo horas nas compras (não tenho dinheiro nem pachorra…), não cacarejo, quer dizer, não sou tagarela, e quando cavaqueio de algum assunto que me agrada, não fico alvoraçada ao ponto de “arrancar penas”…
Bom, mas afinal porque é que comparam as mulheres às galinhas? Até há pouco tempo as galinhas eram consideradas estúpidas, mas sabe-se, agora, que as galinhas são, afinal, animais muito inteligentes. Entendem conceitos intelectuais sofisticados, aprendem através da observação, são capazes de demonstrar auto-controlo, preocupam-se com o futuro, e os seus conhecimentos evoluem de geração para geração. As galinhas são curiosas e extremamente sociáveis, gostam de passar os dias umas com as outras, têm mais de trinta sons que usam para compor e transmitir mensagens e também comunicam visualmente. Quem passa muito tempo com galinhas, que vivam num ambiente natural, sabe que cada galinha tem uma personalidade diferente da outra, o que normalmente dita o seu lugar na hierarquia – algumas são mais medrosas, outras mais tímidas e observadoras e outras são um pouco mais agressivas. Cada galinha é um indivíduo diferente com uma personalidade diferente.
Surpreendidos? Pois, contrariamente ao que se pensa, comparar mulheres e galinhas é perfeitamente legítimo. Apesar disso, preferia ser comparada a uma andorinha, a um rouxinol ou até mesmo a uma gralha, por uma razão muito simples, um trauma de infância que tem sido difícil de solucionar, o medo de galinhas! Uma vergonha!... Assim, como é que eu posso ser uma mãe galinha?
[…] A imagem da «Mulher Portuguesa» que os homens portugueses fabricaram é apenas uma imagem da mulher com a qual eles realmente seriam capazes de se sentirem superiores. Uma galinha. Que dizer de um homem que é domador de galinhas, porque os outros animais lhe metem medo? Na realidade, A Mulher Portuguesa é uma leoa que, por força das circunstâncias, sabe imitar a voz das galinhas, porque o rugir dela mete medo ao parceiro. Quando perdem a paciência, ou se cansam, cuidado. A Mulher portuguesa zangada não é o «Agarrem-me senão eu mato-o» dos homens: agarra mesmo, e mata mesmo. Se a Padeira de Aljubarrota fosse padeiro, é provável que se pusesse antes a envenenar os pães e ir servi-los aos castelhanos, em vez de sair porta fora com a pá na mão. […]
(Miguel Esteves Cardoso in “A Causa das Coisas”)
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