Alguns excertos de um conto do livro Os Meus Amores de Trindade Coelho.
Não me parece que seja de fácil leitura para miúdos de onze e doze anos...
Como TPC, a professora de português enviou uma folhita A4, frente e verso, com quase 100 sinónimos... Pudera! Com uma linguagem destas...
Na biografia "reza" o seguinte:
O seu estilo natural...
... fazem de Trindade Coelho um dos mestres do conto rústico português.
... dedicou-se a uma intensa actividade pedagógica tentando elucidar democraticamente o cidadão português.
Estilo natural? Conto rústico? Ok... mas para mentes instruídas...
Tentando elucidar o cidadão português? Democraticamente?
Não sei quem planeia os programas de português mas textos com esta dificuldade de linguagem para um 7º ano, parece-me ideia de jerico...
A minha filha R., que por sinal é boa aluna à disciplina de Português, parecia o Jô Soares:
Não precisa explicar, eu só queria entender...
ABYSSUS ABYSSUM
Trindade Coelho, Os Meus Amores, 1891
...
– Ao pra baixo remo eu, ora remo? – Remas.
– E tu regulas, ora regulas? – Regulo.
– Ao pra cima é às avessas, ora é?
– É.
Muito bem, «basta palavra»! E ambos, ao mesmo tempo, um ao outro se impuseram segredo... – Psiu!... – Psiu!
...
A tarde descaía límpida. Na vasta cúpula do céu, penachos de nuvens alvejavam, imóveis.
Acesas naquela explosão rubra do ocaso, as arestas dos montes franjavam-se de púrpura e ouro, na decoração mágica dos poentes. Começava de cair sobre os campos a larga paz tranquila dos crepúsculos, e uma quietação dulcíssima e vagamente melancólica entrava de adormecer a natureza para o grande sono reparador de toda a noite.
Naquela luz indecisa de crepúsculo que mansamente se ia acentuando, os montes do Sul tomavam um torvo aspecto de sombras gigantescas, imobilizados num fundo em que se iam apagando ao de leve todos os cambiantes de luz. Os pormenores da paisagem perdiam-se naquela indecisão vaga de noite que vinha descendo, e uma espécie de silêncio confrangedor dominava a natureza toda, recolhida num como espasmo amedrontador e sinistro que dentro de nós evoca a essa hora não sei que vagos receios ou medos inconscientes que fazem com que na imaginação as coisas criem vulto, e no mundo exterior obrigam a retina a exagerar as formas às coisas...
...
Riram muito. O Manuel despidinho, coiracho ao colo da mãe, havia de ser engraçado! E então todos de volta, a ver quando se talhava o ar!
– Mas talhou-se! Agora, em paga, uma vez por ano (ao menos uma vez por ano) tenho de olhar pelos ralos do lenço pràs cinco chagas, umas estrelas que além estão, e rezar uma ave-maria.
...
Parecia-lhes medonho aquele marulhar contínuo da corrente, afligia-os como se fosse o salmodiar monótono e rouco duma legião de espíritos maus, preludiando-lhes as agonias lentas da morte.
Depois do que escrevi, será um contra-senso dizer que Os Meus Amores vai constar da minha lista de livros a comprar?
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