segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Memórias e Afectos (12)

Diz-se que recordar é viver. Eu volto atrás no tempo e vivo, recordando, tantos momentos passados com o “avôzinho” R. (teimo em continuar a pôr acento circunflexo…), nas Caldas da Rainha.
Recordo um incidente como se tivesse sido hoje.
Recordo como se tivesse parado no tempo…
E cada vez que recordo, o mesmo sentimento de culpa…
Os passeios com o avô R., ao fim da tarde, faziam parte da rotina diária, mas para mim, e julgo que também para o J., eram a melhor forma de acabar mais um dia de férias, só superados pelas histórias ao deitar…
Deveria ter uns sete ou oito anos e o J. teria uns nove ou dez.
Nesse dia o passeio foi estendido até ao Parque. O avô, o J., eu e o Tejo. Já no regresso, sugerimos que o “avôzinho” e o Tejo fossem por uma rua, enquanto nós nos esgueirávamos por outra, para ver quem chegava mais depressa a casa. Claro que nós, miúdos e cheios de energia, sabíamos, de antemão, que seríamos os primeiros a chegar, apesar do nosso percurso ser ligeiramente maior. O avô aceitou a aposta, sorrindo, não deixando revelar que sabia tão bem como nós quem seriam os “vencedores”…
Mas…o problema é que o avô, já nessa altura, era um pouco surdo e em vez de perceber “casa”, percebeu “praça”…e a Praça da fruta, ainda hoje conhecida por ter, diariamente, um mercado, era ali próxima…
O J. e eu chegámos a casa num ápice e depois de termos explicado a verdadeira razão da nossa chegada sozinhos, fomos para a janela esperar pelo avô…
O avô tardava em chegar… coitado! À nossa espera na Praça da fruta, apoquentado por não nos ver e cheio de remorsos por nos ter deixado entregues a nós mesmos…
E o tempo que ele esperou… Atormentado com o que poderia ter acontecido, resolveu voltar a casa, pensando no que lhe diriam por aparecer sem os netos…
Ver-nos à janela foi o bastante para ele sorrir e respirar de alívio. O mal entendido foi esclarecido e tudo ficou bem porque acabou bem…
Experimentei, julgo que pela primeira vez, o sentimento de culpa. Senti-o na angústia que ele trazia espelhada na cara…
Não foi preciso crescer, não foi preciso ter filhos para perceber a dor e a aflição que o meu querido “avôzinho” terá sentido nesse dia…

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