Uma anedota (por Pedro Sousa Carvalho in Diário Económico)
Era uma vez um português, um alemão e um francês. A certa altura, o francês disse: - Aquele tipo que entrou é igual a Jesus Cristo. A barba, o cabelo, a túnica... vou falar com ele. Dirigiu-se à pessoa e tanto insistiu que ele confessou ser Jesus Cristo, mas não queria que ninguém soubesse.
O francês fez chantagem e exigiu, para se calar, que ele o curasse de ser coxo. Jesus Cristo fez o milagre. Chegou o francês à mesa e contou aos outros. O alemão levantou-se e foi ter com Jesus Cristo. Era cego de um olho e exigiu que ele lhe desse visão. O milagre foi feito. O português, sabendo disto tudo, não se mexeu. Jesus Cristo, intrigado por o não procurar, foi ter com ele e colocou-lhe a mão no ombro. O português levantou-se, deu um salto, gritando-lhe: - Tira a mão de cima de mim, que eu estou de baixa!
Esta anedota, não parece, mas vem a propósito do acordo que assinámos com a ‘troika' e que, tal como os gregos, provavelmente não vamos conseguir cumprir. Já se nota alguma inquietação de Bruxelas uma vez que, um mês volvido depois de os partidos terem subscrito o plano de austeridade, pouco ou nada se tem visto no terreno, estando nós entretidos com a campanha eleitoral.
A tentação é culpar os políticos. E eu já o fiz muitas vezes nesta coluna de opinião. Dizer que são uns malandros, que nos puseram nesta situação e que muito dificilmente vão conseguir evitar que o nosso País passe pela humilhação de ter de reestruturar a dívida. Mas não chega. Os nossos políticos não vêm da "politicolândia". Vêm de Portugal. A indisciplina, o desenrascanço, o deixar tudo para a última, o "deixa andar", o "logo se vê", o "vai-se fazendo" faz parte da nossa cultura. Nós não somos alemães. Um alemão orgulha-se de dizer que pagou os seus impostos. Nós dizemos, com algum embaraço e resignação, que este ano não conseguimos fugir aos impostos.
E é esse o maior risco de Portugal não conseguir cumprir as metas da ‘troika'. A nossa mentalidade. E mesmo que, perante o apertado escrutínio público, consigamos cumprir as metas impostas, vamos relaxar à primeira oportunidade. Basta ver que em 83, quando o FMI cá esteve da última vez, acabámos por não receber a última tranche do empréstimo porque, com a economia a dar os primeiros sinais de recuperação, ignorámos as últimas medidas que nos foram impostas.
A prova desta nossa mentalidade, deste "fazer tudo em cima do joelho" e da nossa indisciplina é a trapalhada de ontem com os impostos, que obrigou as Finanças a alargar os prazos de pagamento. E de quem é a culpa? De uns senhores incompetentes que lá estão e que fizeram coincidir os prazos de pagamentos de IRC, IRS e IUC? Ou dos milhares de contribuintes que deixaram tudo para a última hora e fizeram ‘crashar' o site do Fisco?
Se não mudarmos de vida, todos - políticos e cidadãos - desta vez nem a nossa famigerada capacidade de desenrascanço nos pode valer. Porque o cumprir com o programa da ‘troika' não depende apenas do Sr. Passos, do Sr. Sócrates, do Sr. Portas e Companhia Lda. Depende de todos nós, cada um com o seu grau de responsabilidade. Já diz o provérbio: "Cada um varra a frente da sua porta e num instante a rua ficará limpa".
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