quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Fujam!!!...

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

Não sou nova nem sou velha, mas já vivi, certamente, mais de metade da minha vida. Será esta uma das principais razões que me levam a já não ter estaleca para emigrar, mas ai… se eu fosse nova… pisgava-me daqui para fora!
Censuro-me por não ter tido o discernimento necessário, há uns anos atrás, para me ter pirado daqui para fora, mas também não houve uma única alminha que me tenha incentivado a ir-me embora. Agora, para mim, é tarde… mas as minhas filhas, assim como outros jovens, têm oportunidade de basar daqui e quanto mais depressa melhor... caso contrário, irão transformar-se em adultos inconformados (como eu…) e, mais tarde, em velhinhos amargos, tristes ou resignados…
Fujam daqui para fora!...
A velhice, no nosso país, é uma “doença” que causa preocupação, a velhice no nosso país é uma merda… (salvo algumas excepções, claro está). A grande maioria dos idosos vive (?) entregue a si própria e em condições económicas precárias, outros, apesar de financeiramente menos limitados, não vivem desafogadamente. Muitos carecem de cuidados e apoio, por vezes permanentes, e as soluções encontradas, para além de nem sempre serem as melhores, não são, muitas vezes, viáveis, devido a vários factores. Tive ocasião de viver, recentemente, uma experiência com um final trágico. A doença do meu pai, agravada pela idade já avançada, levou-nos a enfrentar muitos problemas: o sistema de saúde deficiente, a rede de cuidados continuados foi sempre uma miragem inalcançável, o apoio domiciliário que conseguimos, para o manter em casa, pecou por ser insuficiente, a santa casa da misericórdia revelou-se e de “santa” tem muito pouco e acabámos encalhados na burocracia da segurança social. Restou-nos (porque o desgaste para a minha mãe era enorme) procurar um lar de idosos que recebesse acamados e aqui, mais uma vez, tropeçámos em algumas dificuldades, sendo a principal, o montante pedido em todos eles versus o valor mensal da reforma do meu pai. Existe muita oferta, mas a verdade é que a maioria deles é incomportável, tendo em conta as pensões que os nossos idosos auferem. Escolhemos o lar, que julgámos ser o melhor, dentro das possibilidades, e pagámos dez dias do mês de Dezembro de 2009 e o mês de Janeiro de 2010, ou seja, mil e trezentos euros. Infelizmente, o meu pai faleceu ao fim de três dias no lar… Fomos informados que nos iriam restituir grande parte do dinheiro entregue, mas agora dizem que só podem restituir quinhentos euros… Oitocentos euros por três dias??... Qual é a justificação? Este tipo de pessoas causa-me asco. Neste país, até os velhinhos servem de motivo para a ladroagem que por aqui alastra. Ponham a mão na consciência… Cada vez mais, este país funciona como um reles vão de escada…atulhado de aldrabões, oportunistas, gatunos e parasitas…
Fujam daqui para fora!...
Os portugueses são, e continuam a ser, um povo emigrante. Porquê? Porque o nosso país é um grande problema de gestão, imperfeito e defeituoso. No entanto, a tendência para ir embora é suplantada pela vontade de regressar a Portugal. Como diz Gonçalo Cadilhe, imaginam um português a mudar de país, dentro da UE, duas ou três vezes na vida?... Uns anitos na Escócia, uma década na Polónia, a reforma na Grécia? E a casa dos avós? E o adro da infância? E o jazigo de família?
Esqueçam essa carga emotiva das raízes! Ponham-se a andar daqui para fora!...
O que Portugal tem de bom é…é…ah, sim, é o clima (que não é exclusivamente nosso), e o “resto é paisagem” (linda mas muito mal frequentada…) e, somente agora, que a genica já vai começando a faltar, compreendo, que isso, por si só, não compensa…
Sempre me julguei incapaz de viver sem Sol, num país cinzento e frio. Actualmente estaria disposta a trocar um pouco desse Sol por melhor qualidade de vida e uma assistência digna na velhice, coisa que aqui não terei nunca…
As minhas filhas sabem o que devem fazer. Devem ir-se embora e quanto antes, melhor!
Fujam! Depois não digam que eu não as avisei…
Fujam! Caso contrário, irão transformar-se em adultos inconformados (como eu…) e, mais tarde, em velhinhos amargos, tristes ou resignados…
Fujam! Os velhotes que paguem a crise…

Reproduzo aqui passagens de uma publicação, caseira (Histórias da Dinamarca), escrita, magistralmente, por Filipe Carvalhão, ex-maestro do grupo coral Ad Divitias, que foi, “de armas e bagagens”, assentar na Dinamarca, um daqueles países que nunca, antes, me seduziria. E digo bem, antes… só que entre o antes e o depois, houve o durante…
Leiam! Eu mordi-me de inveja!

As praias aqui são boas, mas não tão grandes e de areia tão boa como as portuguesas. Há alguns aspectos que me agradam bastante; a maioria dos dinamarqueses vai para a praia por volta das 7 da tarde, que é também a hora que prefiro, mas mesmo assim nunca há muita gente; não há problemas de estacionamento, não há barracas de bifanas e a construção nas zonas de praia é ordenada e muito bem arranjada. A envolvente é bonita e agradável.

Todos os dias são andados 1,2 milhões de quilómetros de bicicleta em Copenhaga. É o equivalente a dar 30 voltas à Terra! Um valor impressionante, repetido todos os dias. É que 37% da população da grande Copenhaga prefere a bicicleta como meio de transporte para o trabalho, para a escola ou a caminho do lazer. Mas ainda não chega. Políticos e instituições procuram elevar esse valor para 50% e começam por dar o exemplo; o presidente da câmara de Copenhaga e o equivalente ao ministro do ambiente de cá, vão diariamente de bicicleta, de suas casas para o emprego e volta. Constantemente estão a melhorar as condições para utilizar a bicicleta dentro e nos acessos à cidade. Apesar dos já existentes 350 km de vias próprias para bicicletas na cidade, estão a ser construídos mais e a ser melhorados os já existentes. Por exemplo, foram recentemente criadas as “vias verdes” para bicicletas. Trata-se de um tipo especial de pistas, devidamente assinaladas, que atravessam as principais zonas de acesso ao centro da cidade e ao longo das quais os semáforos estão sincronizados em favor das bicicletas, isto é, se se percorrer uma dessas pistas a uma velocidade constante de 20 km/h, é possível atravessar a cidade de um lado ao outro sem nunca pôr um pé no chão!

Chegou o Outono. As árvores ficaram amarelas, vermelhas e castanhas, em cores vivas, recortadas com detalhe contra um céu azul tão claro e limpo. “É o tempo das grandes caminhadas a pé” dizia-me o Kristian, tenor de um dos coros com que trabalho. E assim é, o tempo convida a sair e as cores convidam a olhar. Apetece absorver cada detalhe desta Natureza efémera, enquanto dura, deste lado frio, ainda púbere, do ano que em breve começará a envelhecer!

Mas não temos perdido tempo. Aproveitamos bem. Mudámo-nos no dia 1 de Outubro para outro apartamento. Fazia parte do nosso plano esta mudança; primeiro três meses num apartamento mais pequeno, todo equipado e perto do centro da cidade, enquanto procurávamos um maior, vazio (para poder receber as nossas coisas que chegariam entretanto de Portugal), e num local que fosse agradável, sereno, com boas escolas e infantários nas imediações, bons transportes e abastecimento e, já agora, bonito. Acabámos por encontrar uma zona que reunia estas condições e alugámos um apartamento que, até ver, nos está a agradar bastante. Estamos agora a viver em Charlottenlund (não longe de onde estávamos antes), rodeados de bosques e parques formidáveis, a 2 minutos a pé da estação de comboios (15 minutos de comboio até ao centro de Copenhaga ou 40 minutos de bicicleta), a 5 minutos de bicicleta do mar e a 5 minutos a pé de um bosque, para um lado e uns 10 minutos de um enorme parque, para o outro. Todas as fotografias deste número das Histórias da Dinamarca foram tiradas num dos muitos passeios que temos dado, neste caso ao tal bosque que fica aqui tão perto de casa. Temos lá ido penso que dia sim, dia não. Outro dia fui lá com a Madalena depois de jantar. Já era de noite e eu propus ir descobrir ”minimeus”. Mal entrámos no bosque, viam-se ainda as luzes da rua, disse-me ela - Pai, eu não estou a gostar nada disto! Achas que ainda sabes o caminho para casa? Quinze minutos depois já estava na caminha dela, quentinha a fazer ó-ó e, quem sabe, a encontrar os “minimeus” que nunca chegámos a descobrir naquele bosque fantástico!
Posso dizer que o tempo que temos encontrado é muito mais agradável do que esperávamos, mas não me deixa particularmente descansado observar como os Dinamarqueses parecem tentar agarrar, aproveitar, quase aforrar, cada instante de tempo bom, como se estivesse para se acabar… será?

Quando no primeiro dia de aulas se viu numa sala onde não compreendia uma palavra do que lhe era dito pela professora ou pelos colegas, a Leonor desatou a chorar. Por dentro nós também chorámos! Mas, em conjunto com a professora, tudo se resolveu rapidamente e no final da primeira manhã a Leonor estava satisfeita e orgulhosa com a sua nova experiência.
Desde o princípio a nossa despesa com a actividade escolar da Leonor foi zero, nada, nem um øre! Livros, material escolar e até um serviço de táxi que leva e trás a Leonor todos os dias (sim, um táxi só para ela que a vem buscar e trazer à porta de casa), tudo nos têm disponibilizado sem sequer o pedirmos. Os livros e material escolar são habitualmente fornecidos. O táxi é disponibilizado porque a Leonor tem estado a frequentar uma turma de alunos estrangeiros, que só existe em escolas que ficam um pouco mais longe de nossa casa do que aquilo que está previsto. A partir da próxima semana a Leonor vai passar a frequentar uma turma normal, com alunos dinamarqueses, na Ordrup Skole, a escola mais próxima de nossa casa. Irá e virá de bicicleta (que já domina) na companhia de um de nós. São pouco mais de 5 minutos para cada lado e será a última das mudanças, pelo menos por dois anos! Os episódios relacionados com a entrada da Leonor na escola, mostram bem a sua capacidade de adaptação e são também ilustrativos da seriedade com que os direitos dos cidadãos e a sua aplicação à actividade escolar, são tratados aqui. A integração da Madalena no infantário foi tão simples e imediata como a da Leonor na escola, mas o mesmo não pode dizer-se da facilidade em encontrar vaga! A escola da Leonor começou a 13 de Agosto, mas a Madalena só pôde começar a frequentar o infantário no dia 1 de Outubro. Não foi fácil nem para ela nem para nós, este desfasamento. A explicação para a demora tem a ver com o sistema de atribuição de vagas nos infantários. Uma vez mais o processo é elucidativo da forma sistemática como aqui tudo funciona. Os infantários são privados, mas a gestão do seu funcionamento obedece a regras definidas pela kommune (semelhante ao município em Portugal, mas com atributos muito mais vastos). A kommune define o número de vagas, o tipo de serviço prestado e estabelece um preço único em todos os infantários. Portanto, na prática, o aspecto mais importante a ter em conta é a localização, já que o serviço nunca é muito diferente. Ora a kommune garante lugar a todas as crianças, no máximo 2 meses após a sua entrada numa lista de espera para vagas. Portanto, habitualmente, os pais das crianças inscrevem-nas dois meses antes de terminar a licença de maternidade e tudo corre naturalmente. Ah, e à semelhança do táxi da Leonor, também neste caso há uma solução para minorar os problemas que possam surgir. Caso a kommune não possa oferecer uma vaga dentro do período previsto, paga um ordenado a um dos pais para que este fique em casa com a criança até que haja vaga num dos infantários das imediações.

É estranho e causa-me sempre alguma apreensão, constatar que já não penso tanto em Portugal! Quando aqui cheguei era inevitável, a qualquer momento dava comigo a comparar o que via de novo com o que conhecia de Portugal. Parecia-me que estava sempre latente um pensamento sobre Portugal. Como iria ser a nossa vida aqui, em comparação com a de Portugal, e o trabalho, como se iria desenvolver? E as pessoas que deixei em Portugal, como estariam? E a relação com as pessoas que aqui encontraria? Seria verdade que os Dinamarqueses são frios e antipáticos, em comparação com os Portugueses? E a nossa casa, seria maior, menor, melhor ou pior que aquela em que vivíamos? Nas lojas não conseguia deixar de converter para Euros os preços em Coroas, antes de me decidir ou não pela compra. Na rua pensava no clima daqui e no de Portugal, no aspecto das ruas de Copenhaga e no das de Lisboa – “Em Portugal ainda está tudo a jantar!” dizíamos uns para os outros quando estávamos a deitar-nos. De vez em quando apetecia-me ouvir as crónicas do Fernando Alves na TSF, pela internet. E ouvia!
Mas a pouco e pouco vou sendo sobressaltado pela ideia de que durante períodos cada vez mais longos do dia, não penso em Portugal. Encontro pessoas novas, vejo lugares diferentes, vou trabalhar, vou às compras, volto para casa e Portugal já não é a medida. Não, não é um sentimento confortável. É até um pouco assustador sentir como esta mescla de tempo e distância são impiedosos para com a memória mais fresca. Gostava de ter tudo aquilo que aqui me agrada, sempre bem presente, mas de somar a isso também as boas memórias que trago comigo de Portugal. Senti-las ainda à flor da pele, como quando aqui cheguei. Mas isso não é possível. Afinal a memória é apenas um perfume!

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