terça-feira, 19 de julho de 2011

Livros e Mar: eis o meu elemento! (42)

“Os Demónios de Berlim”, terceiro livro publicado em Portugal, de Ignacio Del Valle, é um romance de espionagem com uma forte componente policial, isto é, reúne dois géneros que me agradam muito.
A acção passa-se em Berlim nos últimos dias do III Reich, uma cidade devorada por uma guerra cruel e devastadora, num encadear de acontecimentos relâmpago até ao desfecho final. A personagem principal, o tenente Arturo Andrade, é um voluntário espanhol da Legião Azul. Embora a Espanha não tenha aderido oficialmente à II Guerra Mundial, o general Franco permitiu que voluntários se incorporassem no exército alemão mantendo a imparcialidade enquanto retribuía a ajuda de Hitler durante a Guerra Civil Espanhola (Legião Condor). Enquanto o exército estalinista, imparável, avança sobre a cidade, é confiada a Andrade a missão de encontrar Ewald von Kleist, um cientista alemão. Acaba por encontrá-lo morto, junto à colossal maqueta da Germânia, na Chancelaria, com um bilhete enigmático no bolso. Arturo Andrade, colaborando com a Kripo (Polícia Criminal que durante o III Reich esteve sob o controlo das SS) e com a SS, empreende uma investigação para encontrar os comandos Aliados que terão assassinado Ewald von Kleist. Durante a demanda, e com a derrota alemã iminente, Andrade defronta-se com a megalomania do Führer e os seus últimos dias no bunker, o programa nuclear alemão, a sociedade Thule, as barbaridades soviéticas, o nacional-socialismo, os impulsos e necessidades da natureza humana e um filme singular, uma película de 16 milímetros gravada em Berghof. Ao mesmo tempo, enfrenta os seus medos, desesperos, incertezas, decepções, os seus demónios interiores.
Mas, demónios interiores, privados…quem os não tem? Gostei de te conhecer Arturo Andrade.

Arturo contemplou a careta de irónica resignação que se desenhou no seu rosto prodigiosamente feio e sorriu com uma certa tristeza. Depois, estudou o bunker. Sabia que quando Manolete olhava para aquele cubo isso não o impressionava, que sentia até uma ponta de desprezo, porque, ao contrário de Arturo, não era capaz de apreciar a sua importância histórica. O imenso alvo em que o mundo transformara Berlim tinha ali o seu centro. A entronização do mal, a derrogação do humanismo, a extinção da humanidade, a vertigem dos dois últimos anos da derrota alemã, tudo confluía ali, na sua massa fortificada. E, no seu insondável e fumegante abismo, der Führer, na última estação da sua fuga à realidade, continuava a sonhar com a sua Germânia, a cidade babilónica que seria a capital de um império germânico destinado a durar mil anos, construída para que, no futuro, o tamanho das suas ruínas fosse testemunho de grandeza, enquanto, por cima da sua cabeça, o futuro chegara já, feito de incêndios, escombros e milhares de toneladas de bombas.


Berlim, 1945. Os soviéticos avançam, imparáveis, pelas ruas repletas de escombros. Em toda a cidade a luta é violenta, e a derrota alemã está iminente. Arturo Andrade está no meio de todo aquele caos. A sua missão: localizar Ewald von Kleist, que acaba por encontrar morto na chancelaria do Reich com um misterioso bilhete nos bolsos.
Começa assim este thriller escrito com paixão e rigor documental que, com um ritmo que não dá tréguas ao leitor, nos aproxima de uma personagem que deverá enfrentar múltiplos demónios, os alheios e os seus próprios, para salvar a única coisa que parece escapar a este contexto atroz: o amor de uma mulher.

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