quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Morreste-me...

[…] E pensei não poderiam os homens morrer como morrem os dias? Assim, com pássaros a cantar sem sobressaltos e a claridade líquida vítrea em tudo e o fresco suave fresco, a brisa leve a tremer as folhas pequenas das árvores, o mundo inerte ou a mover-se calmo e o silêncio a crescer natural, o silêncio esperado, finalmente justo, finalmente digno. […]

[…] E oiço o eco da tua voz, da tua voz que nunca mais poderei ouvir. A tua voz calada para sempre. E, como se adormecesses, vejo-te fechar as pálpebras sobre os olhos que nunca mais abrirás. Os teus olhos fechados para sempre. E, de uma vez, deixas de respirar. Para sempre. Para nunca mais. Pai. Tudo o que te sobreviveu me agride. Pai. Nunca esquecerei. […]

[…] Só chuva e noite, pai. Atrás de nós, o passado a crescer quilómetro a quilómetro. E tu, já sem passado, perdido nele e a partir dele a seres dor e palavras, chuva e noite. Tu impossivelmente morto. Pai. Apenas chuva. Apenas noite. [...]

("Morreste-me" de José Luís Peixoto, Quetzal Editores - 9ª edição)

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