domingo, 30 de junho de 2013

Humano, demasiado humano

Uma coisa é a natureza humana, outra a condição humana.
Quando penso nas centenas de indigentes que se multiplicam pelas ruas, as imagens que me assaltam são, invariavelmente, de miséria, carência, solidão, incúria, angústia, isto é, uma total inexistência de factores determinantes para que haja um equilíbrio físico e psíquico indispensável à dignidade humana.
Dizer que os sem-abrigo são toxicodependentes é um cliché e, talvez, em tempos, essa afirmação pudesse ter fundamento, mas, presentemente, esta cicatriz social é fruto das contingências da vida e tem, lamentavelmente, vindo a aumentar. Sinais dos tempos…
Cruzo-me, quase diariamente, com dois homens que, creio, não têm tecto, mas uma vontade serena de não perderem a dignidade.
Um deles, sempre por perto dos seus parcos haveres, tenta vender pensos, cotonetes e algodão, e tive oportunidade de presenciar o seu desconforto quando alguém lhe dá uma moeda sem querer levar algo em troca. Percebi que se sente ofendido com essas atitudes porque, na verdade, não anda a pedir esmola. Passo por ele de manhã cedo e é frequente vê-lo a lavar os dentes e até a fazer a barba. Numa manhã fria de Inverno, vi-o a fazer a barba sentado no chão aproveitando uma nesga de sol que aparecia entre os prédios. Este homem vive na rua, não sei se por opção ou se por força das circunstâncias, mas não perdeu o respeito por si próprio, procede de uma forma digna e tem atitudes que considero nobres…
O outro, mais velho, está longe de se preocupar com a higiene pessoal, usa barbas e vejo-o habitualmente de calções, parecendo insensível ao frio naqueles dias em que eu, encasacada e de calças, me sinto enregelada. Admiro-o, não por andar de calções no tempo frio, embora isso seja digno de nota, mas sim porque, instruído ou não, é um apaixonado pela leitura. Tal como o primeiro, é um solitário, mas faz-se sempre acompanhar por um livro desgastado pelo tempo, embora nunca seja o mesmo. Não faço a mais pálida ideia onde os arranja, sei apenas que este homem me inspira respeito porque se interessa em alimentar a mente e a imaginação, não esquecendo como é importante a leitura na vida do ser humano…
Dizia Nietzsche que aquele que não reserva, pelo menos, ¾ do dia para si é um escravo. Os gregos antigos afirmavam que o escravo ao ocupar a maior parte de seu tempo em tarefas que visam somente à sobrevivência de si e de outros, é destituído do conceito de homem. Dentro desta lógica, questiono-me sobre a dignidade humana e a liberdade, e dou por mim a pensar se estes dois homens não serão seres mais racionais e livres do que eu...

2 comentários:

Vespinha disse...

É uma pobreza envergonhada, e infelizmente cada vez há mais...

Pezinhos na Areia disse...

A vida pode dar muitas voltas e não sabemos se, um dia, estaremos numa situação difícil que nos leve às ruas...