É simples recordar, com uma nitidez surpreendente, acontecimentos da minha infância e juventude, mas lembrar coisas mais recentes, às vezes, torna-se mais bicudo. Diz-se que relembrar memórias antigas em detrimento das recentes se chama senilidade… prefiro pensar que é mais um desmazelo da memória… Adiante!
O meu pai, que quando jovem era uma nódoa a matemática, começou a apreciar esta matéria quando um episódio algo insólito despoletou esse gosto. Em meados da década de 20 (a long time ago…), frequentava a Escola Académica e tinha um colega de apelido Fragoso que, sendo um aluno mediano, era uma barra a matemática. Numa prova (no meu tempo denominava-se “ponto” e agora “teste”) dessa disciplina, o meu pai, sentado atrás do Fragoso, pediu-lhe ajuda porque via o tempo a passar e não tinha feito praticamente nada. O Fragoso, rápido nos cálculos, terminou a prova e copiou-a integralmente, passando-a ao meu pai. Este, pegou na cábula e começou a reproduzi-la na sua folha, mas não teve tempo para concluir a trapaça e resolveu entregar a folha do colega colocando o seu nome… (parece-me que hoje em dia é improvável suceder uma coisa destas). Assim que o professor ficou na posse da prova, os remorsos assaltaram o meu pai. Imaginou-se a ser punido pelo professor e a ser repreendido pelo próprio pai, também professor…
Acreditem ou não, a realidade foi outra. O professor, não só não deu pela fraude, como também enalteceu o meu pai, dizendo-lhe que finalmente tinha encarreirado na matemática…
O professor nunca soube, mas, ao proporcionar este desfecho improvável, causou uma profunda mudança na vida escolar do meu pai. Os elogios de que foi alvo encheram-no de brio, aplicou-se, os bons resultados não se fizeram esperar, e passou também a ser uma barra a matemática, tudo isto graças ao Fragoso… Ouvi esta história dezenas de vezes, mas, lamentavelmente, o meu pai não conseguiu passar-me a mensagem, talvez porque nunca apareceu um “Fragoso” na minha vida.
Ora, adivinhem quem me dava explicações de matemática? Acertaram, o meu pai!... Com uma santa paciência ensinava-me a Matemática Clássica e mandava-me fazer exercícios, simplifica a expressão e obtém um polinómio na forma reduzida, calcula o valor da expressão com denominador racional, resolve em ordem a x a equação… Tudo isto era “secante” e eu ia passando à “tangente” para desgosto do meu pai. Presentemente sinto-me atraída pelo raciocínio matemático, mas, na época, não tinha maturidade suficiente.
Numa dessas sessões, em que me distraía frequentemente, eu atirava, repetidamente, a caneta ao ar e apanhava-a, enquanto o meu pai perguntava se eu estava a compreender. É claro que não estava a prestar atenção, é claro que a caneta caía ao chão imensas vezes, é claro que não estava a ligar patavina, é claro que o meu pai não tinha qualquer dúvida em relação a isso, é claro que começou a ficar irritado, um indício que me deveria ter feito parar se não se desse o caso de eu estar completamente alheada e ocupada a apanhar a caneta… Repentinamente, quando a caneta caiu ao chão pela quinquagésima vez, o meu pai levantou-se e pisou-me a caneta até a fazer em frangalhos e restar apenas a recarga… Não ganhei para o susto, mas afianço que nunca mais brinquei em serviço! Este incidente serviu de gozo durante vários anos e ainda hoje é recordado pelo dia em que o meu pai se passou...
domingo, 15 de janeiro de 2012
Memórias e Afectos (93)
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