domingo, 25 de setembro de 2011

Águas-furtadas da memória…

Quem pensa que a comida só faz matar a fome está redondamente enganado. Comer é muito perigoso. Porque quem cozinha é parente próximo das bruxas e dos magos. Cozinhar é feitiçaria, alquimia. E comer é ser enfeitiçado. Sabia disso Babette, artista que conhecia os segredos de produzir alegria pela comida. Ela sabia que, depois de comer, as pessoas não permanecem as mesmas. Coisas mágicas acontecem.

Os meus familiares, amigos e quem por aqui passa com alguma regularidade sabem que não tenho gosto pela arte de cozinhar. Não gosto de culinária, mas gosto de quem gosta, e gosto ainda mais de me sentar à mesa e apreciar as suas iguarias. Admito, sem pudor e descaradamente, que não sou uma mestre cozinheira, mas sou uma gastrónoma e um bom garfo…
Nem sempre foi assim. Tempos houve em que eu gostava de cozinhar e de dar mostras das minhas habilidades gastronómicas. No início dos anos 20 (dos meus, claro…) até ao final da década de 30 (a minha, claro…) eu causava alguma sensação com os meus cozinhados e as minhas doçarias. A época natalícia e as festas de aniversário eram propícias às exibições dos meus dotes culinários.
O amor é incondicional e o ódio também. Diz-se que entre os dois há uma linha muito ténue. Embora isso seja discutível, terá sido essa ténue linha a culpada pela minha mudança e, num estalar de dedos, cozinhar tornou-se uma tarefa penosa, um verdadeiro frete.
Instigada pela minha filha A., julgo que claramente saturada da trivialidade da minha comida, comecei, contrariada, a ver o programa 30 Minutes Meals (Jamie Oliver) que está actualmente a ser transmitido na SIC Mulher.
Não sei se foram as refeições rápidas, saudáveis e de aspecto delicioso, se foi o ar descontraído e espirituoso de Jamie Oliver (a antítese dos deuses da culinária nacional, como Maria de Lourdes Modesto, Chefe Silva ou Filipa Vacondeus), mas o certo é que em algum lugarzinho escondido da minha memória, em algum sítio privado e há muito abandonado, despertou a vontade, neste caso o apetite, para voltar a exaltar as minhas qualidades na cozinha.

Ben-GoossensOnly Opens, When Open For Fantasy. © Ben Goossens

Assim, aquela linha muito ténue, responsável pelo meu ódio à culinária, foi, desta vez, a causa da minha recente metamorfose, da minha nova faceta de cozinheira prendada.
Estes lugares recônditos da nossa memória pregam-nos cada partida…

2 comentários:

João Pedro disse...

SÓ ACREDITO SE VIR!
Para quando um convite para aferir dessa qualidades tão auto-gabadas?

Pezinhos na Areia disse...

Ver para crer como São Tomé!
Não sejas incrédulo, mas crente...e teu será o reino dos céus quando provares as minhas especialidades...eheheheh

Lasanha de vegetais, cassoulet, pimentos recheados com queijo Manchego, salada de endívias, bacalhau com natas?

Vou pensar no teu caso!