Se eu fosse do sexo masculino a anedota do sujeito que chegava sempre tarde ao emprego porque tinha um problema sexual (“não tinha tomates” para se levantar cedo…) assentava-me que nem uma luva. Contudo, quis o destino que eu nascesse mulher, ou seja, sem o tal pretexto que justificaria a dificuldade que tenho em levantar-me cedo…
Na realidade, levantar-me da cama, de manhã, exige um enorme sacrifício e custa-me os olhos da cara, mas quero que fique bem claro que entro no emprego quase infalivelmente por volta das 8h30m. E digo quase… porque ocasionalmente surgem uns percalços permanentemente relacionados com aquelas coisinhas horripilantes que soltam uma zoada incomodativa e que são vulgarmente conhecidas por rádio relógios. Na minha mesa-de-cabeceira não existem desses bicharocos repugnantes, mas sim dois telemóveis que cumprem rigorosamente a mesma tarefa, interromper-me descaradamente o descanso… Sucede que costumo ignorá-los ao primeiro toque! E ao segundo toque! E ao terceiro toque! Grave é quando, para além de os ignorar, censuro e os calo de uma vez por todas…
Para evitar o despertar embriagado e estremunhado, assim como as adversidades caóticas que daí resultam, como aconteceu há dias, obriguei-me a adoptar mais uma providência. Não direi que foi uma providência divina porque nada tem de sagrado nem de magnífico. Coloquei um relógio despertador, com ponteiros, em cima de um móvel para me forçar a levantar e desligá-lo. Embora o ideal fosse um carrilhão ou um relógio despertador para surdos acima dos 100 decibéis, a coisa não tem estado a correr mal…
A primeira noite do mostrengo no quarto foi dura! Aquele matraquear contínuo e compassado começou por me irritar, passou à fase do desespero, afugentou-me o belo do sono e às tantas apercebi-me que a função respiratória acompanhava o ritmo do malvado ponteiro dos segundos…
Finalmente adormeci. O sono foi agitado. Um exército de relógios marchava no chão do quarto, alvejando-me com ponteiros, ao som da Cavalgada das Valquírias. À frente do regimento, o coronel Clock Tower, do batalhão Big Ben, dava instruções rápidas gritando: Não há tempo a perder! Acorda! À medida que a infantaria avançava, um caça-bombardeiro, pilotado por um relógio de sol, largou um pêndulo que me atingiu na cabeça. Antes de perder os sentidos ainda consegui ver uma lancha do corpo de fuzileiros com uma diversidade de relógios de água. Recuperei os sentidos. Enquanto me media a pulsação, o relógio de pulso observava-me desconfiado. O Coelho Branco, olhando incrédulo para o relógio de bolso, entrou esbaforido pela porta do quarto e encarou-me queixando-se: É tarde! É tarde! É tarde até que arde! Horloge, o mordomo altivo, afirmou com um ar compenetrado que o despertador é um acidente de trânsito do sono…
A ampulheta sorria, assistindo a tudo com uma enorme serenidade. A certa altura, sentindo com precisão o último grão de areia fina a passar pelo gargalo, pulou com ligeireza para o meu peito, ao mesmo tempo que me incitava: É preciso virar! É preciso virar!
As palavras dela ecoaram na minha cabeça. Por uma fracção de segundos, hesitei confusa entre virar a ampulheta ou virar-me. Optei pelo que me pareceu mais sensato. Virei-me para o outro lado e continuei a chonar…
Acordei ao fim de três horas. A ampulheta dormitava encostadinha a mim…
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Despertar da Mente
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