Há boas razões para o italiano ser a língua mais sedutora do mundo.
Para compreender porquê, temos de compreender primeiro que a Europa foi em tempos um pandemónio de inúmeros dialectos derivados do latim que gradualmente, ao longo dos séculos, se transformaram num punhado de línguas separadas – francês, português, espanhol, italiano. Aquilo que aconteceu em França, Portugal e Espanha foi uma evolução orgânica. O dialecto da cidade mais proeminente tornou-se gradualmente a língua de toda a região. Por conseguinte, aquilo a que hoje chamamos francês é na realidade uma versão do parisiense medieval. O português é o lisboeta. O espanhol é essencialmente o madrileno. A cidade mais forte acabou por determinar a língua do país inteiro.
Em Itália foi diferente. A sua unificação foi muito tardia e, até essa altura, era uma península de cidades-estado hostis dominadas por orgulhosos príncipes locais ou por outras potências europeias. Havia partes da Itália que pertenciam a França, outras a Espanha, outras à Igreja, outras ainda a quem conseguisse tomar a fortaleza ou palácio local. A maioria do povo italiano não gostava de ser colonizado pelos seus pares europeus, mas havia sempre aqueles mais apáticos que diziam: “Franza o Spagna, purchè se magna”, o que significa: França ou Espanha, desde que vá comendo…
Assim, não é de surpreender que, durante séculos, os italianos escrevessem e falassem em dialectos locais mutuamente impenetráveis. Um cientista em Florença teria uma enorme dificuldade em comunicar com um poeta na Sicília ou com um mercador em Veneza (a não ser em latim, é claro). No século XVI, alguns intelectuais italianos reuniram-se e decidiram que esta situação era absurda. A península italiana precisava de uma língua italiana, pelo menos na forma escrita, que fosse reconhecida por todos. Essa reunião de intelectuais fez algo sem precedentes na história da Europa: seleccionaram o mais belo de todos os dialectos locais.
De forma a descobrirem o dialecto mais belo alguma vez falado em Itália, tiveram de recuar duzentos anos no tempo até ao século XIV em Florença. Aquilo que este congresso decidiu que passaria a ser considerado daí para a frente como italiano foi a linguagem pessoal utilizada pelo grande poeta florentino Dante Alighieri. Quando Dante publicou a sua Divina Comédia, em 1321, contando em pormenor a progressão visionária através do Inferno, Purgatório e Céu, tinha chocado o mundo letrado ao não usar o latim. Em vez do latim, Dante virou-se para as ruas, recolhendo a verdadeira língua florentina falada pelos residentes da sua cidade e usou-a para contar a sua história.
Ele escreveu a sua obra-prima naquilo a que chamou dolce stil nuovo, o doce estilo novo do vernáculo, e deu forma a esse vernáculo à medida que o ia escrevendo, conferindo-lhe um cunho tão pessoal como o que Shakespeare haveria de conferir à língua isabelina. O facto de, muito mais tarde, um grupo de intelectuais nacionalistas se ter reunido e decidido que o italiano usado por Dante passaria a ser a língua oficial de Itália era como se um grupo de professores universitários de Oxford se tivesse reunido um dia no início do século XIX e decidido que dali para a frente toda a gente em Inglaterra ia falar Shakespeare puro. E a verdade é que funcionou.
Assim, o italiano que falamos (isso queria eu…) hoje não é romano nem veneziano nem sequer inteiramente florentino. É essencialmente o de Dante.
Nenhuma outra língua europeia tem uma origem tão artística.
E talvez nenhuma outra língua tenha alguma vez sido tão perfeitamente destinada a exprimir emoções humanas do que este italiano florentino do século XIV, embelezado por um dos maiores poetas da civilização ocidental…
Para compreender porquê, temos de compreender primeiro que a Europa foi em tempos um pandemónio de inúmeros dialectos derivados do latim que gradualmente, ao longo dos séculos, se transformaram num punhado de línguas separadas – francês, português, espanhol, italiano. Aquilo que aconteceu em França, Portugal e Espanha foi uma evolução orgânica. O dialecto da cidade mais proeminente tornou-se gradualmente a língua de toda a região. Por conseguinte, aquilo a que hoje chamamos francês é na realidade uma versão do parisiense medieval. O português é o lisboeta. O espanhol é essencialmente o madrileno. A cidade mais forte acabou por determinar a língua do país inteiro.
Em Itália foi diferente. A sua unificação foi muito tardia e, até essa altura, era uma península de cidades-estado hostis dominadas por orgulhosos príncipes locais ou por outras potências europeias. Havia partes da Itália que pertenciam a França, outras a Espanha, outras à Igreja, outras ainda a quem conseguisse tomar a fortaleza ou palácio local. A maioria do povo italiano não gostava de ser colonizado pelos seus pares europeus, mas havia sempre aqueles mais apáticos que diziam: “Franza o Spagna, purchè se magna”, o que significa: França ou Espanha, desde que vá comendo…
Assim, não é de surpreender que, durante séculos, os italianos escrevessem e falassem em dialectos locais mutuamente impenetráveis. Um cientista em Florença teria uma enorme dificuldade em comunicar com um poeta na Sicília ou com um mercador em Veneza (a não ser em latim, é claro). No século XVI, alguns intelectuais italianos reuniram-se e decidiram que esta situação era absurda. A península italiana precisava de uma língua italiana, pelo menos na forma escrita, que fosse reconhecida por todos. Essa reunião de intelectuais fez algo sem precedentes na história da Europa: seleccionaram o mais belo de todos os dialectos locais.
De forma a descobrirem o dialecto mais belo alguma vez falado em Itália, tiveram de recuar duzentos anos no tempo até ao século XIV em Florença. Aquilo que este congresso decidiu que passaria a ser considerado daí para a frente como italiano foi a linguagem pessoal utilizada pelo grande poeta florentino Dante Alighieri. Quando Dante publicou a sua Divina Comédia, em 1321, contando em pormenor a progressão visionária através do Inferno, Purgatório e Céu, tinha chocado o mundo letrado ao não usar o latim. Em vez do latim, Dante virou-se para as ruas, recolhendo a verdadeira língua florentina falada pelos residentes da sua cidade e usou-a para contar a sua história.
Ele escreveu a sua obra-prima naquilo a que chamou dolce stil nuovo, o doce estilo novo do vernáculo, e deu forma a esse vernáculo à medida que o ia escrevendo, conferindo-lhe um cunho tão pessoal como o que Shakespeare haveria de conferir à língua isabelina. O facto de, muito mais tarde, um grupo de intelectuais nacionalistas se ter reunido e decidido que o italiano usado por Dante passaria a ser a língua oficial de Itália era como se um grupo de professores universitários de Oxford se tivesse reunido um dia no início do século XIX e decidido que dali para a frente toda a gente em Inglaterra ia falar Shakespeare puro. E a verdade é que funcionou.
Assim, o italiano que falamos (isso queria eu…) hoje não é romano nem veneziano nem sequer inteiramente florentino. É essencialmente o de Dante.
Nenhuma outra língua europeia tem uma origem tão artística.
E talvez nenhuma outra língua tenha alguma vez sido tão perfeitamente destinada a exprimir emoções humanas do que este italiano florentino do século XIV, embelezado por um dos maiores poetas da civilização ocidental…
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