domingo, 30 de julho de 2017

Deus quer, a Mulher sonha, e a cozinha nasce…


Sinopse
Alma cozinha, pensa e escreve. E faz tudo isso com o auxílio dos temperos: ora caril, ora paixão, ora açafrão, ora emoção. A comida nasce do seu encontro com a vida, e os alimentos são as ferramentas que cozinham as suas conclusões. Ao abrir este livro encontrará receitas completas, saudáveis e alternativas, que poderão ser colocadas em prática. Para isso, apenas precisa deixar-se temperar pelas palavras, sentimentos e emoções que as descrevem. Conheça Alma e os seus temperos e, quem sabe, talvez a sua vida ganhe outro sabor, e a sua cozinha outro valor.


A pedido de uma amizade, comecei a ler Temperos com Alma. Confesso que iniciei a leitura com um certo cepticismo. A primeira frase da introdução, Se gosta de romance e de cozinha, encontrou o seu “prato” perfeito, não me pareceu um ingrediente estimulante nem apurou o meu desejo de continuar a ler. Primeiro, porque cozinhar é um verbo que não aprecio conjugar, particularmente na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, “eu cozinho”. Segundo, porque a minha paciência para assuntos relacionados com a nutrição é quase zero. É a minha “intolerância alimentar”, caracterizada pela incapacidade de digerir determinadas normas alimentícias e dietas saudáveis. Esta incapacidade deve-se à falta de disciplina alimentar ao longo dos anos, padrões alimentares errados e ditados populares que nos foram embutidos desde tenra idade, como, por exemplo, o que sabe bem, ou faz mal ou é pecado; peixe não puxa carroça; morra Marta morra farta; o que não mata engorda; quem não presta para comer, não presta para trabalhar.
No entanto, como sei que a paciência é amarga, mas o seu fruto é doce, virei a página, convicta de que não me iria deixar convencer por conselhos alimentares, e mergulhei, qual casca de limão, na água morna que Alma tinha ao lume para fazer arroz doce… O movimento da colher de pau envolveu-me num turbilhão delirante de palavras mágicas, cozinhadas sabiamente em lume brando e, nesse instante, percebi que, afinal, o livro tinha miolo, melhor, parecia ter um recheio apaixonadamente cremoso de sabores, cheiros e sensações. Costumo pensar que o que é cerebral me fascina mas, na realidade, a minha verdadeira vida é a dos sentidos. Com esta ideia e a proeza do arroz doce, que me amaciou o espírito e aguçou o apetite, continuei a leitura.
Fiquei a saber que o ácido málico da maçã contribui para o bom funcionamento da vesícula e confirmei que esta namora às escondidas com o fígado. Já suspeitava disso, desde que a minha vesícula começou a andar “pedrada”. Pedras filosofais em “bebedeiras de azul”, só pode ser paixão… Revi-me na Cebola que depois de cozinhada fica doce, tal como eu fico mais apurada com o cozinhar do tempo; assemelho-me a um Pickle e sou tal e qual o Risoto, não gosto de esperar…
Nunca me tinha passado pela cabeça que um Assado de Legumes com Alecrim podia ser um baile ou que a amizade é como a Sopa da Abundância, mas, embebida nesta feitiçaria culinária, fui compreendendo que cozinhar é muito mais do que fazer comida, é criar arte e poesia, amor e fantasia. E, talvez porque uma folha de hortelã parece ter o dom de abrir um espaço na mente que nos transporta para outros lugares, imaginei-me a apreciar uma tela com o Empadão de Millet, num qualquer museu do mundo, ou a gargalhar com a Tarte de Cuscuz num número acrobático circense, aplaudida pelas equilibristas Sementes de Alfafa…
Como as palavras são como as cerejas, malabarista é também a autora, que, num jogo caleidoscópico de palavras, ligou de forma harmoniosa e suculenta os alimentos, os sentimentos e as emoções, personificando-os e aromatizando-os até estarem no ponto perfeito. Numa palavra, delicioso. Em duas, deliciosamente divinal!
Temperos com Alma é um eufemismo total. A ideia, para mim desagradável, de cozinhar, é aqui apresentada de uma forma suave e encantadora, salpicada de temperos e aromas. 
Fechei o livro, aliás, “selei-o”, para ele manter toda a sua suculência.   
Sei que a vida é como uma comida que não conhecemos, se não experimentarmos nunca saberemos o seu sabor! Sei que todo o burro come palha, o que é preciso é saber dar-lha, mas como o dizer e o fazer não comem à mesma mesa, não poderei afirmar que irei, resolutamente, alterar os meus hábitos alimentares depois da leitura deste livro, pois a probabilidade de falhar é grande e poria em risco a minha palavra. Não se trata de uma desconsideração, mas um contra-senso, que assumo, mas me ultrapassa, e um desacerto temporal com o meu tempo interior… Serei absolvida por ser esta a minha verdadeira essência? Há quem tempere com alma, eu realço o sabor da vida à minha maneira, de queda em queda, passo a passo, entre umas lágrimas de sal e umas risadas de picante, dissolvidas no dia-a-dia…
Temperos com Alma, um livro que se lê num fôlego, ou será que deveria dizer, numa garfada? 

Sem comentários: