sábado, 5 de outubro de 2013

Memórias e Afectos (109)

No liceu, as tardes desportivas obrigatórias eram, como se subentende, impostas e inevitáveis. Como sempre fui avessa à ginástica e nunca fui muito atlética, como tudo o que é obrigação deixa de me dar prazer, este espírito um pouco militarista irritava-me. Só na modalidade de basquetebol encontrei alguma satisfação e, embora a minha pequena estatura, não me saía mal. Diga-se, em abono da verdade, que a minha próspera imaginação fazia milagres e algumas dessas tardes espartanas, que deveriam ser passadas a manter corpore sano, eram passadas num café, longe de casa, a fazer quadras humorísticas com a N, isto é, a manter a mente sã
Só os desportos aquáticos me entusiasmavam, razão pela qual, como já descrevi aqui, frequentei as aulas de natação, gratuitas, no Sport Algés e Dafundo, através da Mocidade Portuguesa. Até 1971 a filiação na MP e na Mocidade Portuguesa Feminina eram obrigatórias, mas eu nunca fiz parte de nenhum dos 4 escalões. Sei que é estranho, tendo em conta o regime totalitário da época, mas não fui obrigada a pertencer às Lusitas nem às Infantas, não fui Vanguardista, nunca usei uniforme, nunca jurei o “compromisso solene”, nunca cantei o hino da mocidade lusitana. É verdade que fiz a instrução primária num Externato, mas em 1967 já frequentava o Ensino Público, numa secção do Liceu Passos Manuel, e não tenho recordações negativas desses tempos… A partir de 1972, a filiação tornou-se voluntária. Comprava a revista quinzenal “A Fagulha”, propriedade da Mocidade Portuguesa Feminina, e recordo-me de a ler de uma ponta a outra, assim como recordo a espera, ansiosa, do número seguinte…

Fagulha
Fagulha2

Mais tarde, eu a T. resolvemos mudar de modalidade e a escolha foi consensual, a vela. Segundo o historiador Ricardo Serrado, Salazar defendia que o desporto nacional deveria ser a vela. Das poucas vezes em que ele aparece com trajes desportivos, surge dentro de um veleiro e diz que se houvesse um desporto nacional deveria ser a vela, por estar ligada ao mar. Obviamente que não optámos pela modalidade por ser a primeira escolha de Salazar, evidentemente que, nessa época, pouco nos importava a opinião dos adultos, mesmo que esta fosse do “Chefe” da Nação portuguesa. Inscrevemo-nos na nova actividade. Estávamos em Março de 1974. A Organização Nacional da Mocidade Portuguesa, nascida em 1936, foi extinta pela Junta de Salvação Nacional a 25 de Abril desse ano, logo, todas as actividades desportivas gratuitas deixaram de existir. Nunca velejei… 
Desde essa altura até aos dias de hoje, muita coisa mudou. 
As actividades gratuitas passaram a ser pagas, e eu deixei de as praticar…

2 comentários:

jmsc disse...

Nasci em 1954 e fiz o liceu sem vestir a farda, exceptuando uma vez para uma cerimónia em 1964.A farda foi emprestada.
Apesar disso frequentei as actividades gratuitas da MP como o tiro de precisão e o modelismo.As actividades eram gratuitas. Nunca ninguém me tratou de forma discriminatória.

Pezinhos na Areia disse...

Obrigada J. por dares credibilidade às minhas palavras!
Como dizia (ou diz ainda)o senhor do "Astro", na Av. Guerra Junqueiro,"bem-haja"...