terça-feira, 29 de outubro de 2013

A última jogada

Ao fim de 74 anos a fabricar diversões para a família, a Majora encerrou a produção. Para trás ficam mais de 300 jogos.
Há muito, muito tempo, se calhar numa outra era, havia um boneco mágico. Chamavam-lhe Sabichão e era uma figura de madeira pintada, com um ponteiro de arame que os ‘putos' rodavam para fazer perguntas.O senhor Sabichão acertava sempre na resposta: rodava em cima de um espelho de vidro e apontava para a solução de todos os mistérios, fossem eles do corpo humano, da anatomia, ou da história de Portugal. Gerações e gerações deliciaram-se com este jogo da Majora, que até estava para se chamar “Eu Sei Tudo”, não fosse esse o título de um jornal de Coimbra.
O jogo não estava para se chamar “Eu Sei Tudo”, a verdade é que a primeira versão chegou a chamar-se assim, como podem confirmar:
Euseitudo
Eu-Sei-Tudo-Majora-Anos-60
Fernando Freitas é, com Alfredo Amável, a pessoa que guarda as chaves da empresa, na rua Delfim Santos. Mostra as amplas salas vazias onde se produziram milhões de jogos, até fevereiro deste ano, altura em que os últimos trabalhadores da Majora foram mandados para casa. Nessa altura, já só estavam na empresa cerca de trinta. Hoje restam pilhas de caixotes que guardam centenas de jogos novos, ainda selados nas embalagens de plástico com que seguiam para as lojas.A maquinaria já foi desmontada e o pequeno museu que mostrava algumas das mais bonitas peças desenhadas naquela fábrica está quase todo metido em caixotes. "Custa muito ver isto. Entrei aqui em 1975, foi uma vida passada aqui", diz Fernando Freitas, que correu vários departamentos da Majora até se fixar no de Recursos Humanos. "A empresa sempre tratou muito bem os trabalhadores", diz.Para Alfredo Amável, o fim era inevitável. "Os jogos electrónicos, os telemóveis e os computadores tomaram conta do mercado e nós não tínhamos vocação para esse tipo de produtos. Ficámos cercados, não podíamos competir com todos os produtos estrangeiros que chegam às lojas. As vendas começaram a cair progressivamente e quando a produção acabou ninguém ficou surpreendido".
Os tempos mudaram, as crianças já não brincam como antigamente, aliás, as crianças brincam cada vez mais sozinhas. Os tempos mudaram, as meninas já não brincam com bonecas, os meninos já não brincam com carrinhos, as crianças já não brincam com jogos de tabuleiro nem jogam às cartas. A infância deixou de ser uma fase de criatividade e descobertas para passar a ser uma fase em que a capacidade criadora é entregue de bandeja pela indústria tecnológica. Os tempos mudaram, há que acompanhar o progresso, mas parece-me que as crianças de hoje em dia crescem rapidamente, já não querem ser crianças, já não sonham…
Os tempos mudaram, mas acredito que foram as minhas brincadeiras de infância e os meus sonhos que fizeram a adulta que sou hoje…
A Majora fechou portas e, dentro daquelas paredes, junto com as mais bonitas peças desenhadas naquela fábrica, estão algumas das minhas mais doces memórias aconchegadas em caixotes.


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