No início deste blogue publiquei fotografias da casa onde nasci e passei uma parte da infância. Esta moradia de rés-do-chão e 1º andar, pertença do meu avô paterno, situada na principal artéria da antiga vila da Amadora, tinha um pequeno jardim e um grande quintal onde eu dava asas à minha imaginação.
A minha família ocupava o 1º andar. O andar de baixo estava arrendado (mais uns cobres que o meu avô ia buscar…) a um casal que tinha uma filha da minha idade, a Ana Maria. A última moradia, de uma fileira de quatro, logo a seguir à nossa, era habitada pela família Pimenta, o pai, aquele do anúncio radiofónico dos Parodiantes de Lisboa “pois, pois, J. Pimenta”, a mãe, a D. Julieta, e os dois filhos do casal, a Graciete e o José Luís. Não me recordo do nome das famílias que moravam nas outras duas moradias, mas tenho uma vaga ideia de algumas crianças que também frequentavam o nosso quintal. Os dias, um após o outro, passados numa eterna brincadeira, começavam quase de madrugada… Acordava bem cedo, lavava-me, vestia-me, tomava o pequeno-almoço e abria a porta da cozinha, que dava para o quintal, com um sorriso estampado na cara. O dia estava a nascer e não podia perder tempo, a natureza e tudo o que a cercava aguardavam-me ali tão perto. Descia as escadas a correr e batia à porta do rés-do-chão, onde me esperava a impaciente Ana Maria, quase a terminar as sopas de café com leite. Sempre cobicei o pequeno-almoço dela e tanto o enalteci que consegui que a mãe me brindasse com o mesmo, uma vez por outra.
O quintal era dividido por um carreiro de terra batida. O lado direito pertencia-nos e o lado esquerdo pertencia à família da Ana Maria, mas isso eram coisas de adultos, nós nunca fizemos essa distinção. Tal como os antigos Romanos controlavam todo o Mediterrâneo (Mare Nostrum), também o quintal era todo nosso… Ao fundo, um tanque de pedra usado pelas mães para lavar a roupa, que em algumas ocasiões ficava a corar ao Sol, e árvores de fruto, entre elas, uma ginjeira, a preferida da minha amiga. Quando a minha mãe pensava que tinha ginjas na árvore, já eram… a Ana Maria tinha dado conta delas. Um dia, com a minha conivência, a minha mãe, que era danada para a paródia, escondeu-se para pregar um susto à miúda, mas virou-se o feitiço contra o feiticeiro. A Ana Maria, branca como a cal e a gaguejar, voou carreiro abaixo, deixando a minha mãe aflita. Ainda hoje nos rimos com esta malvadez da minha mãe…
Nunca tivemos uma casa na árvore, mas improvisámos uma numa latada que existia a seguir ao único portão lateral de entrada para a moradia. A pérgula servia de suporte a uma velha trepadeira, uma Glicínia de flores lilases e troncos grossos, que formava uma espécie de galeria acompanhando os primeiros metros da entrada e três degraus que nos colocavam ao nível do jardim. Ajudados pelo tronco principal, subíamos para a nossa casa imaginária. Lá em cima, como que transportados para um universo paralelo, esquecíamos que nos podiam ver e ouvir e a imaginação levava-nos a vivermos outras vidas num mundo povoado de personagens das histórias de encantar.
Enquanto os dias se seguiam e avançavam em direcção ao Inverno, a Glicínia perdia as folhas e hibernava, tornava-se num emaranhado de troncos secos até à Primavera seguinte, rebentando então verdejante e em cachos de flores deslumbrantes… As suas ramadas frondosas estavam prontas para nos tornar a acolher e a partilhar connosco as fantasias da infância…
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
Memórias e Afectos (89)
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