11 de Setembro -3ª e última parte
Não foi fácil escrever esta terceira e última parte, referente ao primeiro dia. Com o meu pai acamado, temos que dar apoio à minha mãe e o tempo é indomável…
Enquanto escrevi este texto, o meu pai foi, novamente, hospitalizado, mas já regressou a casa…
Destino: Barri Gòtic. 16.00 Horas.
A verdade é que o nosso primeiríssimo objectivo, na Cidade Velha, era a Basílica de Santa Maria del Mar, no Barri de La Ribera/Born mas, por força das circunstâncias, que é como quem diz, da leitura errada do mapa, ao sairmos da estação de metro Jaume I, na Plaça de L’Angel, entrámos na Carrer de La Tapineria, no Bairro Gótico…em vez de seguirmos pela Via Laietana…
Acontece aos melhores, nunca fizemos provas de Orientação…
Dizem que o Barri Gòtic, a zona mais antiga, é o coração de Barcelona. Não concordo. Depois do que vi, parece-me que Barcelona é um enorme coração palpitante e hiperactivo…
A fundação de Barcelona é assunto de duas lendas diferentes. A primeira atribui a Hércules a fundação da cidade, 400 anos antes da fundação de Roma. A segunda lenda atribui a fundação da cidade ao cartaginês Hamilcar Barca, pai de Hannibal, que lhe dá o nome.
Barcelona teria sido fundada pelos romanos, sendo convertida numa fortificação militar chamada Julia Augusta Faventia Paterna Barcino. As muralhas foram construídas por ordem do Imperador Cláudio e já no início do século III a população de Barcino estava estimada entre 4.000 e 8.000 habitantes.
Seguimos, então, pela Carrer de La Tapineria que contorna a Plaça de Ramon Berenguer el Gran, fotografando as linhas duras duma grandiosa secção que ainda resta da antiga muralha romana e das torres de defesa.
História e cultura, passado e presente em perfeita harmonia…
Os edifícios que se conservam sobre esta secção da muralha correspondem à Capella Reial de Santa Àgata e ao Palau Reial Major, residência dos condes de Barcelona que eram também reis de Aragão. O complexo do Palácio Real inclui, para além da Capela, o Saló gótico de Tinell, onde os reis católicos, Isabel e Fernando, receberam Colombo (em catalão Colom) depois do seu regresso da América, e o Palau del Lloctinent, usado para albergar os arquivos da Coroa de Aragão. Foi igualmente no Palau Reial Major que se instalou a Inquisição, acreditando que as paredes se moveriam se fossem proferidas mentiras…
A Capella Reial de Santa Ágata, com a sua torre octogonal, em parte formada por uma torre de vigia romana, começou a ser edificada em 1302, no reinado de Jaume II (o Justo), Rei de Aragão e Valência e Conde de Barcelona. Continuando pela Carrer de La Tapineria, virámos à esquerda numa pequena via que nos conduziu à Carrer dels Comtes de Barcelona, uma rua lateral à catedral gótica de Barcelona.
Tivemos, aqui, oportunidade de ver uma das 5 portas da Catedral de Barcelona, o Portal ou Porta de Santo Iu, que, para além de ser a mais antiga, foi o acesso principal da catedral durante 500 anos.
Feita em mármore e pedra da montanha de Montjuic, é uma das primeiras tentativas de arco ogival do gótico catalão e contém alguns elementos bastante originais. No tímpano (é um espaço geralmente triangular ou em arco, liso ou decorado com esculturas, que assenta sobre o portal de uma igreja) há uma imagem de Santa Eulália. De cada lado do portal há relevos representando vários temas.
Como a maioria das catedrais góticas, também a de Barcelona tem gárgulas, por onde se escoa a água da chuva dos telhados. As gárgulas mais antigas da catedral localizam-se junto à porta de Santo Iu e devem de ser do início do século XIV.
Ainda nesta rua (Carrer dels Comtes de Barcelona), onde os edifícios quase se tocam no topo, entrámos e transpusemos o pátio do Palau del Lloctinent, saindo na Plaça del Rei, tendo à nossa esquerda a escadaria que conduz à entrada da Capella Reial de Santa Ágata e à direita, o Museu d’Història de la Ciutat.
Este museu ocupa a casa Clariana-Padellàs, edifício gótico que foi para aqui transportado em 1931, pedra por pedra. Durante as escavações do seu novo local, foram encontrados vários vestígios romanos, entre sistemas de águas e esgotos, banhos, pavimentos e até uma estrada, e que hoje podem ser vistos na cave do museu.
História e cultura, passado e presente em perfeita sintonia…
Seguimos pela Via Laietana, agora sim, em direcção à Basílica de Santa Maria del Mar.
A curiosidade que me prendia a este templo foi originada pela leitura do livro, de Idelfonso Falcones, “A Catedral do Mar”, que narra a história surpreendente do protagonista, tendo como pano de fundo a construção – pelo povo e para o povo – da Igreja de Santa Maria do Mar, na conturbada época medieval.
Foi construída em 55 anos com dinheiro dos comerciantes e construtores de navios e essa rapidez, pouco comum na Idade Média, conferiu-lhe um estilo uniforme tanto exterior como interior. Teve como mestres-de-obras, Berenguer de Montagut, desenhador principal do edifício, e Ramón Despuig. Conhecidos como bastaix (ou bastaixos), os estivadores barceloneses que transportavam as mercadorias do porto até aos armazéns e vice-versa, foram os mesmos que carregaram às costas as pedras para a construção da catedral do povo. Na porta principal da catedral encontra-se uma homenagem a estes homens fantásticos que ajudaram na construção. Adorei a roseta do século XV e os vitrais que iluminam a nave.
Li que a igreja tinha uma acústica perfeita e, curiosamente, assim que entrámos, tivemos o privilégio de ouvir uma música renascentista tocada pelo organista. Seria um lugar maravilhoso para apreciar, com algum misticismo, aquela sonoridade, que tem, na minha opinião, uma afinidade com o estilo gótico e com a luz dos vitrais, se não fosse o calor que se fazia sentir…Juro! Não conseguimos compreender a razão de tal “fenómeno”, visto que as igrejas são sempre recintos frescos. Talvez fosse o ardor do sangue latino…ou a fé que deu força aos bastaixos para carregar gratuitamente as pedras desde a pedreira real de Montjuic…
A esplanada, do bar La Vinya del Senyor, que se encontra na praça da catedral “convidou-nos” a sentar. Desejava ficar ali a meditar, a contemplar, a tentar diferenciar os turistas calejados dos inexperientes, a ouvir o artista de rua, enquanto saboreava uma taça de vinho celestial da “Vinya del Senyor”… mas o tempo era curto e havia tanto ainda para ver…
Deixámos para trás a catedral do povo, o passado e presente em perfeita harmonia, e embrenhámo-nos novamente pelas vielas da Cidade Velha, sempre movimentadas. Os contrastes são perturbadores e incríveis, pois tão depressa nos sentimos a viajar no tempo, andando alguns séculos para trás, como nos encontramos em pleno século XXI a saborear um delicioso sumo de melão e banana ou de kiwi e manga, acabados de fazer…
E as lojas de bugigangas e marroquinaria com manequins sorridentes? Um miminho…
Passado e presente em sintonia perfeita…
Os nossos passos levaram-nos à Carrer del Bisbe que, tal como a Carrer dels Comtes, é também uma lateral à Catedral de Barcelona. É verdade que já tínhamos estado junto à catedral, mas como o Z.C. precisava voltar ao congresso, pois estava em Barcelona em trabalho e queria visitar a célebre Catedral do Mar, de que eu tanto falava, decidimos ir lá primeiro e depois voltar à Catedral de la Santa Cruz e Santa Eulália, vulgarmente conhecida por Catedral de Barcelona.
Na Carrer del Bisbe passámos pela famosa e belíssima passarela neogótica e, num abrir e fechar de olhos, a parte mais antiga da cidade dá lugar à Plaça Nova, através de duas torres semicirculares da muralha, que emolduravam uma das principais portas da cidade romana que dava para a rua Decumanus Maximus, hoje (avui) Carrer del Bisbe...
À esquerda ainda pode ver-se parte de uma arcada de um aqueduto e, à frente, as letras de bronze, de Joan Brossa, formando a palavra Barcino. Também é na Plaça Nova que se encontra o Col Legi d'Arquitectes de Catalunya (tirámos foto sem saber que edifício era…).
História e cultura, passado e presente em perfeita harmonia…
A Catedral, também chamada Seo ou Seu em língua catalã, estava em obras (quando lá estive, no início da década de 70, também…) e podia ler-se Ajuda'ns a restaurar la nostre façana. Patrocina una pedra.
A construção desta catedral gótica e do claustro foi iniciada em 1298, sobre as fundações de um templo romano e de uma mesquita moura mas a fachada principal só foi completada em 1889. O interior tem uma única nave com 28 capelas laterais e na cripta, por baixo do altar-mor, está o sarcófago de alabastro de Santa Eulália, martirizada pelos romanos no século IV.
Não consigo arranjar uma explicação racional para a minha falta de empatia com esta igreja. Apesar de reconhecer a sua beleza exterior e interior, não houve nenhum click, não houve nada que me tenha feito vibrar, que me tenha emocionado, que me tenha perturbado, enfim, qualquer coisa, boa ou má, que não me tivesse deixado indiferente…
Foi com este meu desinteresse que deixámos um dos pontos mais visitados da cidade e, partindo da Plaça Nova, seguimos pela Carrer de La Palla até à Plaça del Pi, onde se encontra a Igreja de Santa Maria del Pi ou del Pino.
O nosso passeio pedestre continuou pela Carrer del Cardenal Casañas e como um afluente, “desaguámos” na Plaça de La Boqueria, em Las Ramblas, encontrando um “caudal” de gente… Esta praça fica entre La Rambla dels Caputxins e La Rambla de Sant Josep.
Nesta atmosfera cosmopolita, descontraída e alegre, abri o guia de Barcelona e revelei o meu desejo em ver, embora não fossem pontos de interesse obrigatórios, o pavimento com um mosaico de Miró e um dragão art déco desenhado para uma antiga loja de guarda-chuvas. Como por magia e fruto de pozinhos de perlimpimpim, o mosaico e o dragão estavam ali, à minha frente…assim, sem ter que dar um passo, a “gesticularem” para eu os ver…
Passado e presente em perfeita sintonia…
Confesso que o mosaico me decepcionou mas o mesmo não posso dizer do dragão nem do edifício onde se encontra… A minha amiga T., que já tinha andado pelas Ramblas duas ou três vezes, disse nunca se ter apercebido da existência do mosaico e do dragão. Depois desta confidência, pensei, para com os meus botões, que cada esquina, cada porta, cada recanto, cada janela, cada beco, enfim, cada pedra desta cidade tinha qualquer coisa para contar e eu precisava de estar permanentemente em “red alert”… (infelizmente não consegui). Acredito que os lugares têm memórias, nós só temos que fechar os olhos e ouvir as histórias que têm para nos contar.
Seguindo por La Rambla de Sant Josep, encontrámos o mercado com o mesmo nome, vulgarmente conhecido por Mercat de La Boqueria, o mercado mais antigo e mais badalado de Barcelona. Estava fechado, mas diz quem o conhece que as centenas de bancas de frutas, verduras, legumes, carnes, peixes, ovos, doces e um nunca mais acabar de produtos, têm um aspecto de tal maneira apetecível e irresistível, que é difícil não cair em tentação…
Em Las Ramblas passeia uma multidão de turistas dos quatro cantos do mundo, aqui podemos ver todo o tipo de pessoas. Esta avenida, ladeada de árvores, com cerca de 1500 metros de comprimento, liga a Plaça de Catalunya ao Port Vell, mais precisamente à praça onde se encontra o monumento a Colombo. Os seus 46 metros de largura são, em grande parte, ocupados pelo passeio central, onde encontramos muitos quiosques de floristas, aves, postais, jornais, recuerdos e, claro, os artistas de rua e os famosos homens estátua, alguns bem criativos…
Las Ramblas é mais um dos símbolos de Barcelona e não há turista que não queira conhecer a artéria mais falada da cidade. Evidentemente que eu não fugi à regra e também caminhei pelo antigo leito seco do rio (o nome Rambla vem do árabe ramla que significa o leito seco de um rio e na verdade, aqui existiu um rio que corria até ao Mediterrâneo).
Chegámos à Plaça de Catalunya com vontade de continuar a desvendar a cidade mas sabíamos que o dia seguinte seria muito fatigante e, sensatamente, regressámos ao hotel.
O jantar foi supimpa! A noite tranquila.
Silenci si us plau...
2 comentários:
Gostei. É extraordinária a tua descrição. Estive lá este ano em Setembro, depois de várias tentativas. Felizmente que consegui e espero voltar pois como dizes é uma cidade onde o passado e o presente estão em perfeita sintonia.
VPessa
Também lá estive em Setembro deste ano e espero voltar mais uma vez e outra e outra...
Não me canso de Barcelona.
Quem sabe se nos cruzámos em Las Ramblas ou no Park Güell...
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