4ª Parte
Abril de 2009
Diz-se que as “paredes têm ouvidos”, as da Quinta de S. Mateus pareceu-me que também tinham boca…
Ao afastar-me ouvi ainda os seus “gritos” suplicantes para que tomasse conta dela e lhe devolvesse a alma…
Tivesse eu dinheiro…
Fazia-lhe uma “cirurgia estética” completa sem lhe retirar o que é antigo porque essa palavra me soa bem, dá-me uma sensação de bem-estar e familiaridade com o passado… Salvava-a das ervas daninhas, devolvia-lhe as janelas de guilhotina, tratava-lhe as “feridas” que há anos teimam em não sarar, polia as madeiras, restituía-lhe a cor saudável e talvez conseguisse, assim, amenizar as “cicatrizes” do tempo… enfim, tomava conta dela e devolvia-lhe o encanto, a vida e a alma…
Tivesse eu dinheiro… mas como não tenho, nem os cuidados paliativos lhe posso dar… A Quinta de S. Mateus adivinhando o seu triste fim está a morrer lentamente. Ouvi novamente os seus “gritos” suplicantes, olhei-a e disse baixinho “Não desistas!”. O vento encarregou-se de lhe levar as minhas palavras.
Dói-me a alma e a única alegria que tenho, ao pensar na Quinta de S. Mateus, é que há casas, assim como as árvores, que também morrem de pé…
Descemos avistando a última quinta que me levou a Alvorninha, a Quinta do Bairro… a única de que eu recordava minuciosamente cada canto, os lugares das paredes, das divisões, das portas e janelas, de todos os cantos…
A Quinta do Bairro ergue-se solitária numa pequena colina, sobressaindo na paisagem e destaca-se, a meu ver, pela sua grandiosidade. Ao portão aguardava-nos o senhor Arnaldo, pois a nossa visita tinha sido previamente combinada.
Diz-se que as “paredes têm ouvidos”, as da Quinta de S. Mateus pareceu-me que também tinham boca…
Ao afastar-me ouvi ainda os seus “gritos” suplicantes para que tomasse conta dela e lhe devolvesse a alma…
Tivesse eu dinheiro…
Fazia-lhe uma “cirurgia estética” completa sem lhe retirar o que é antigo porque essa palavra me soa bem, dá-me uma sensação de bem-estar e familiaridade com o passado… Salvava-a das ervas daninhas, devolvia-lhe as janelas de guilhotina, tratava-lhe as “feridas” que há anos teimam em não sarar, polia as madeiras, restituía-lhe a cor saudável e talvez conseguisse, assim, amenizar as “cicatrizes” do tempo… enfim, tomava conta dela e devolvia-lhe o encanto, a vida e a alma…
Tivesse eu dinheiro… mas como não tenho, nem os cuidados paliativos lhe posso dar… A Quinta de S. Mateus adivinhando o seu triste fim está a morrer lentamente. Ouvi novamente os seus “gritos” suplicantes, olhei-a e disse baixinho “Não desistas!”. O vento encarregou-se de lhe levar as minhas palavras.
Dói-me a alma e a única alegria que tenho, ao pensar na Quinta de S. Mateus, é que há casas, assim como as árvores, que também morrem de pé…
Descemos avistando a última quinta que me levou a Alvorninha, a Quinta do Bairro… a única de que eu recordava minuciosamente cada canto, os lugares das paredes, das divisões, das portas e janelas, de todos os cantos…
A Quinta do Bairro ergue-se solitária numa pequena colina, sobressaindo na paisagem e destaca-se, a meu ver, pela sua grandiosidade. Ao portão aguardava-nos o senhor Arnaldo, pois a nossa visita tinha sido previamente combinada.
Empurrei o portão e encontrei-me no logradouro da entrada. Senti uma alegriazinha secreta por tudo me parecer exactamente igual ao que eu recordava, o telheiro, o lagar, a pocilga, a casa do caseiro, o sítio onde antes existiu uma ceifeira debulhadora, o palheiro… Debaixo do telheiro, a porta de um anexo onde existiram outrora enormes arcas cheias de milho, onde eu gostava de enterrar as mãos e sentir os grãos a fugirem-me por entre os dedos…
Passámos a um pátio de terra batida onde ainda resistem ao tempo os dois tanques e uma mina de água, apesar de já não terem o encanto de antigamente porque a pérgula por cima dos tanques esteve antes repleta de hera que entrelaçava com uma buganvília e isso dava-lhes um certo ar sombrio e enigmático…
Visitámos a casa sempre com o senhor Arnaldo no seu papel de guia tentando tirar “nabos da púcara” para ver se nós realmente éramos os tais familiares que ele deveria receber. Cedo se apercebeu que nada tinha a recear pois eu conhecia cada canto daquela casa, como se sempre lá tivesse vivido…
Não vou descrever o interior da casa por várias razões, entre elas o respeito pelos actuais proprietários, descendentes dos antigos donos, o senhor A. e a senhora B., ele primo direito do meu pai e padrinho da minha mãe.
No entanto, não resisto à tentação de falar no salão, que não me pareceu tão imponente como quando era criança, talvez por isso mesmo, por ser criança e tudo me parecer mais grandioso. Também não posso deixar de referir as duas grandes janelas rasgadas para a paisagem que sempre me fascinaram e que tinham uns canteiros exteriores onde os passaritos faziam os ninhos… Na infância, passei horas a olhá-los, o tempo era todo meu, eu tinha uma vida inteira pela frente, o tempo era infinito…
A ardósia grande também ainda existe… tantas “lições” dei eu ali, nos anos 60, à Isabelinha, filha da cozinheira. Na cozinha lembrei o sabor da uvada (um doce feito, julgo eu, de mosto de uvas e maçãs) feita pela Clarisse, e que recordação deliciosa…
Que pena as coisas boas não durarem para sempre.
Esta é outra casa com passado e com história e fico feliz porque faço um bocadinho parte dela.
Apesar de estar a ser recuperada aos poucos, a alma da casa já não existe, melhor, é uma alma nova com poucas memórias vivas e as casas precisam dessas memórias para serem felizes… Por mim, nesta quinta encantada voltaria a haver vida, como os risos; as tradições; as conversas à noite, à luz do petróleo e ao calor da velha salamandra; o ranger das portas; a correria da miudagem… a azáfama do caseiro regressaria, assim como os porcos à pocilga, as galinhas ao pátio e os montes de palha estariam de volta ao palheiro…
Por vontade do senhor Arnaldo, que se revelou grande conhecedor da quinta e falador q.b., teríamos ficado longas horas à conversa, até porque ele, habituado a falar apenas com a gente da terra, estava a gostar da audiência e dos assuntos que nós lhe proporcionámos.
Mas era altura de partir. Despedi-me do senhor Arnaldo e da Quinta do Bairro com um “até sempre”…
Espero que esta quinta nunca vá parar a mãos de estranhos e que eu ainda possa regressar um dia e tornar a reviver o meu passado e as minhas memórias, mas o dinheiro compra tudo… o dinheiro compra tudo mas não compra o passado nem as histórias destas casas, porque as histórias, o passado e a alma destas casas, para mim, não têm preço, são inegociáveis…
Partimos de Alvorninha, deixando para trás dias felizes da minha infância.
Daqui a muitos anos, milhares de anos, numa outra Era, quando de Alvorninha nada restar, nem uma lembrança, nem um sonho, as minhas memórias e os meus afectos continuarão a habitar aquele lugar, desafiando o tempo…
Partimos de Alvorninha, deixando para trás dias felizes da minha infância, e ainda hoje, ao escrever este texto, continuo a ouvir as paredes da Quinta de S. Mateus a “gritar” por mim…
Passámos a um pátio de terra batida onde ainda resistem ao tempo os dois tanques e uma mina de água, apesar de já não terem o encanto de antigamente porque a pérgula por cima dos tanques esteve antes repleta de hera que entrelaçava com uma buganvília e isso dava-lhes um certo ar sombrio e enigmático…
Visitámos a casa sempre com o senhor Arnaldo no seu papel de guia tentando tirar “nabos da púcara” para ver se nós realmente éramos os tais familiares que ele deveria receber. Cedo se apercebeu que nada tinha a recear pois eu conhecia cada canto daquela casa, como se sempre lá tivesse vivido…
Não vou descrever o interior da casa por várias razões, entre elas o respeito pelos actuais proprietários, descendentes dos antigos donos, o senhor A. e a senhora B., ele primo direito do meu pai e padrinho da minha mãe.
No entanto, não resisto à tentação de falar no salão, que não me pareceu tão imponente como quando era criança, talvez por isso mesmo, por ser criança e tudo me parecer mais grandioso. Também não posso deixar de referir as duas grandes janelas rasgadas para a paisagem que sempre me fascinaram e que tinham uns canteiros exteriores onde os passaritos faziam os ninhos… Na infância, passei horas a olhá-los, o tempo era todo meu, eu tinha uma vida inteira pela frente, o tempo era infinito…
A ardósia grande também ainda existe… tantas “lições” dei eu ali, nos anos 60, à Isabelinha, filha da cozinheira. Na cozinha lembrei o sabor da uvada (um doce feito, julgo eu, de mosto de uvas e maçãs) feita pela Clarisse, e que recordação deliciosa…
Que pena as coisas boas não durarem para sempre.
Esta é outra casa com passado e com história e fico feliz porque faço um bocadinho parte dela.
Apesar de estar a ser recuperada aos poucos, a alma da casa já não existe, melhor, é uma alma nova com poucas memórias vivas e as casas precisam dessas memórias para serem felizes… Por mim, nesta quinta encantada voltaria a haver vida, como os risos; as tradições; as conversas à noite, à luz do petróleo e ao calor da velha salamandra; o ranger das portas; a correria da miudagem… a azáfama do caseiro regressaria, assim como os porcos à pocilga, as galinhas ao pátio e os montes de palha estariam de volta ao palheiro…
Por vontade do senhor Arnaldo, que se revelou grande conhecedor da quinta e falador q.b., teríamos ficado longas horas à conversa, até porque ele, habituado a falar apenas com a gente da terra, estava a gostar da audiência e dos assuntos que nós lhe proporcionámos.
Mas era altura de partir. Despedi-me do senhor Arnaldo e da Quinta do Bairro com um “até sempre”…
Espero que esta quinta nunca vá parar a mãos de estranhos e que eu ainda possa regressar um dia e tornar a reviver o meu passado e as minhas memórias, mas o dinheiro compra tudo… o dinheiro compra tudo mas não compra o passado nem as histórias destas casas, porque as histórias, o passado e a alma destas casas, para mim, não têm preço, são inegociáveis…
Partimos de Alvorninha, deixando para trás dias felizes da minha infância.
Daqui a muitos anos, milhares de anos, numa outra Era, quando de Alvorninha nada restar, nem uma lembrança, nem um sonho, as minhas memórias e os meus afectos continuarão a habitar aquele lugar, desafiando o tempo…
Partimos de Alvorninha, deixando para trás dias felizes da minha infância, e ainda hoje, ao escrever este texto, continuo a ouvir as paredes da Quinta de S. Mateus a “gritar” por mim…
1 comentário:
Eu e a minha esposa, somos os novos proprietários da Quinta de São Mateus e ao procurar a historia da quinta encontrei o seu blogue, ficariamos muito gratos se pudesse partilhar mais informações connosco. João & Filipa jmgdecarvalho@gmail.com
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