quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Livros e Mar: eis o meu elemento! (69)

Esther Mucznik, estudiosa das questões judaicas, redigiu de forma exímia o livro “Portugueses no Holocausto”, baseando-se numa investigação profunda e cuidada.
As ideias fulcrais que retirei da leitura foram perturbantes. O anti-semitismo e a xenofobia estavam espalhados, não só na Alemanha, mas em vários países europeus; alguns governos colaboraram activamente com os nazis na “Solução Final”, ultrapassando mesmo as expectativas alemãs; a passividade com que o mundo permitiu o extermínio do povo judeu. Concluindo, se povos e governos se tornaram cúmplices destes crimes, a responsabilidade pesa sobre toda a humanidade.

portugueses

Editora: A Esfera dos Livros

[…] Este livro é dedicado a todos os portugueses que morreram no Holocausto, vítimas dos crimes nazis e, entre todos eles, aos descendentes de portugueses expulsos pela Inquisição refugiados em Amesterdão, Istambul ou Salónica. Salvaram-se das fogueiras da Inquisição mas não das câmaras de gás. Acreditaram que eram portugueses, mas Portugal não os reconheceu como tal. No momento em que precisavam desesperadamente da nacionalidade portuguesa, esta foi-lhes negada. […]
[…] …grande maioria dos refugiados que procuravam desesperadamente fugir da Europa ocupada, dos seus campos de morte e de trabalho escravo… […] eram indesejáveis em todo o lado, como o comprovou a Conferência de Evian convocada pelo presidente Roosevelt, em Julho de 1938, para solucionar o problema do acolhimento dos refugiados judeus da Alemanha. Na conferência, para a qual Portugal não foi convidado, participaram trinta e dois países, mas apenas um, a República Dominicana, se mostrou disponível para os receber. […] Hitler regozijou-se com esta atitude, destacando com cinismo o facto de os países criticarem a sua política relativamente aos judeus, mas nenhum deles abrir as suas portas para os acolher. […]
[…] Para o Führer, a indiferença do mundo face à sua política anti-judaica foi um claro sinal de que podia avançar com o seu sinistro plano sem nenhuma oposição de monta. […]
[…] … destaca-se uma ideia-chave: a força das convicções que animavam, não apenas os nazis, mas vastos sectores da sociedade alemã. A “Solução Final” não foi obra de um punhado de loucos e de monstros que decidiram de um momento para o outro varrer da face da terra judeus, comunistas, ciganos, homossexuais e deficientes. Não foi uma imposição ditatorial sobre uma população relutante e amedrontada. Foi uma tarefa colectiva levada a cabo com entusiasmo por milhares de pessoas que, voluntariamente, decidiram contribuir para a máquina de morte nazi, convencidos de que esse era o caminho necessário, justo e correcto para a Alemanha. […]
[…] O racismo e, muito especialmente o anti-semitismo são fenómenos muito anteriores a Hitler e ao nazismo mas foram o terreno fértil que alimentou o nacional-socialismo. Muitas pessoas culpavam os judeus pela derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e por todos os males que se lhe seguiram. […]
[…] Hitler não trouxe qualquer originalidade ao pensamento político; trouxe, sim, originalidade de liderança. E os alemães viraram-se para ele na esperança de uma solução para os problemas do país. […]
[…]… a reflexão sobre o Holocausto e a forma como se processou leva-nos a uma conclusão assustadora: o genocídio nazi aconteceu não apesar do alto nível educacional, cultural e tecnológico da sociedade alemã, mas devido a ele. […]
[…] … isto não é apenas o resultado de espíritos toldados por uma ideologia assassina, mas também da acção conjugada de homens e mulheres dotados de elevadas competências técnicas em todos os escalões da sociedade. […]
[…] Mas o que também fica para a História é que, enquanto a Alemanha e os seus aliados consagraram grandes esforços e recursos para o extermínio do povo judeu e de muitos outros civis de convicções, religiões e etnias diversas, o mundo observava sem se comprometer. […]
[…] Como refere o historiador Ian Kershaw: “A estrada de Auschwitz foi construída pelo ódio, mas o seu pavimento foi a indiferença.” […]
[…] … Salazar, que acumulava as pastas de Presidente do Conselho, ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra teve conhecimento dos crimes nazis, através dos seus representantes diplomáticos espalhados pela Europa…[…]
[…] …Apesar disso, recusou-se a atender os pedidos desesperados dos quatro mil judeus descendentes de portugueses da Holanda, cuja vida acabou ceifada em Auschwitz, ou dos portugueses da Grécia e da Turquia a quem negou a nacionalidade que os poderia ter resgatado. […]
[…]…Portugal não sai pior no retrato do que os outros países neutros ou até, do que os próprios Aliados. […] Exceptuando a Dinamarca que defendeu e salvou efectiva e colectivamente a sua comunidade judaica, só já no final, quando o mal estava praticamente consumado e a derrota da Alemanha irreversível, é que os países neutros e os Aliados tomaram algumas iniciativas no que diz respeito ao salvamento de civis. Salazar não é uma excepção nas considerações de realpolitik que nortearam, na época, a política da grande maioria dos governos. […]
[…] À pergunta que nos surge constantemente ao espírito: “podia ter-se feito mais?”, não tenho dúvida em dizer que sim. […] …Tudo o que se fez representa necessariamente uma gota de água no oceano imenso e terrível daqueles por quem nada pôde ser feito. Portugal podia ter feito mais, o mundo podia ter feito mais, as próprias organizações judaicas internacionais, os judeus portugueses também. Mas não podemos mudar a história. Podemos apenas fazer os possíveis para que ela não se repita. […]

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