sábado, 9 de fevereiro de 2013

Candidato-me…

Salvem o Gato (por Maria José Morgado)

No fim do dia no Campus de Justiça de Lisboa a escuridão rodeia o conjunto de edifícios de vidro, um halo de fantasia desprende-se do peso do silêncio, da extensão feérica do brilho das luzes. O computador encerrado na ansiedade crónica da justiça dos dias, matemática intangível destas paragens.
Estamos bem instalados, perdemos funcionários todos os dias, não existem os recursos de produtividade, a renda e o condomínio custam ao contribuinte €9600 milhões e €1.3 milhões respetivamente. Nos próximos 18 anos a soma rondará mais de €220 milhões, se lá chegarmos. Quem protege o Estado do Estado?
Flutuo até à portaria onde a esta hora costuma recolher-se o pequeno gato que adotamos e alimentamos. A imagem do bichano enrolado em sono profundo dignamente instalado ao lado do segurança espalha um inesperado bem-estar. É assim desde que o adotamos quando apareceu a morrer junto ao nosso edifício. A frequência destas instalações pelo gato causou inicialmente grande agitação junto da administração Campus. Um escândalo. Mas o bichano tem vantagens enormes e ficou.
A atitude perante a natureza e a vida não-humana é sempre reveladora de opções éticas e culturais. Acontece que o gatinho tem vantagens ambientais e qualidades inestimáveis.
Está vacinado, esterilizado, registado, tem seguro de saúde. Pode ser visto à porta do edifício do costume com o seu porte orgulhoso de gato amarelo às riscas ao lado dos polícias e dos seguranças, ou no espaço circundante à caça de pássaros, gafanhotos e ratos. Uma contribuição ecológica para o controlo sem químicos das pragas de ratazanas.
Por vezes é raptado por desconhecidos mas acaba sempre por regressar a casa — no que tem revelado invulgar capacidade de sobrevivência, mesmo para um gato. É um gato meigo, reservado e fiel. Não representa qualquer perigo e revela comportamentos adaptados ao local. Adora polícias, seguranças, fardas que são os seus fornecedores da ração. Foge dos grupos de pessoas de etnia cigana, importantes frequentadores deste Campus, talvez com medo que os miúdos lhe puxem a cauda.
Domina os horários burocráticos. Ao fim de semana, estando fechado o DIAP, faz o seu turno alimentar no Tribunal de Instrução Criminal para onde se desloca e onde é estimado. À segunda-feira de madrugada está novamente à nossa porta com o seu ar feliz. De vez em quando mostra alguma curiosidade por ajuntamentos jornalísticos à porta dos tribunais, observando-os às escondidas.
Um dia destes acaba-se o dinheiro para as rendas e têm que nos pôr nalgum lado. Talvez nos restem uns contentores à beira-rio, hipótese que já nem me aflige. Assalta-me um único desventurado pensamento: quem acudirá ao gato quando tudo se desmoronar? Tornou-se dependente de nós mas está inocente. É o único ser vivo neste espaço que não se alimenta do OGE. Nessa altura salvem ao menos o gato. Alimentá-lo, só custa 20 euros por mês.

2 comentários:

Vespinha disse...

Tivemos um gato na garagem do edifício. As senhoras da limpeza davam-lhe comida, ele tinha por onde entrar e sair e por isso fazia as necessidades lá fora e o máximo que fazia era deitar-se às vezes em cima de um capô.

Não descansaram enquanto não lhe deram sumiço. E pronto, depois apareceram os ratos de campo (Parque das Nações, junto ao rio, já se sabe). E tivemos de pagar daquelas ratoeiras com químicos dentro.

Fim da história.

Pezinhos na Areia disse...

Lamentavelmente, os gatos são frequentemente marginalizados e tratados com alguma agressividade. É uma pena as pessoas não conseguirem conviver em harmonia com estes felinos adoráveis e tirarem partido do que eles têm para nos oferecer...

Esse gato da garagem certamente não incomodava ninguém, mas é gato e como tal, estigmatizado! Não há nada a fazer, ponto final.