terça-feira, 30 de agosto de 2011

Message in a bottle (57)

Como o meu pai gostava de dizer, esta crónica está fabulosa. Um pouco extensa, mas pura e simplesmente delirante. Pairo, mais coisa menos coisa, entre os "fantasmas" e os "mirones"...

A que grupo do Facebook pertence? (por Catarina Fonseca em Activa)

Há quem apoie uma causa, quem ande na lavoura o dia todo e quem se dedique a angariar mais amigos. E há quem faça tudo isto. Qual é a sua ‘onda’ preferida?

Os Apoiantes
São contra várias coisas: as touradas, o bloqueio em Cuba, o apedrejamento das afegãs, a criminalização da homossexualidade, os animais maltratados, o uso de cães como isco para tubarões e de tubarões como isco para cães, a pobreza, o cancro, as birras ou a prisão de variados mártires à volta do mundo. Querem salvar as crianças dos pedófilos, os touros dos toureiros e as empregadas da Carolina Patrocínio. Também são a favor de várias coisas, mas o que lhes faz mesmo bater o coração é ser Contra.

Os Latifundiários
São IMENSOS! Aliás, quase toda a gente que está no Facebook tem uma quinta, e quem ainda não se converteu à reforma agrária é melgado incessantemente por todos os lados para se tornar no próximo vizinho. Quinta mais pequena ou maior, depende da dedicação e empenho do lavrador, e também da quantidade de ‘vizinhos’ dispostos a oferecer-lhes carneiros, galinhas e porcos. Desunham-se a trabalhar para comprar tractores, flamingos e megamorangos. Levantam-se às 4h da manhã para regar o tomate. Encarregam os amigos mais próximos de lhes vigiarem a horta quando vão de férias (isto se forem para a floresta amazónica entre os índios Tupi e for impossível levar o portátil). Também se fartam de acolher animais tresmalhados: “Uma pobre ovelha negra perdida veio parar ao celeiro de José…” Há quem já deva ter em casa exércitos de pobres ovelhas negras perdidas. Qualquer dia faz-se o Starwars 7 sobre exércitos de ovelhas-negras-clones-perdidas.

Os Ziriguidunzinhos
Têm um coração de ouro. Aliás, têm corações de várias espécies e feitios: de ouro, de veludo, de chocolate, com apliques, sem apliques, e mandam-nos a amigos e conhecidos sem dó nem piedade. Aliás, não mandam só corações: mandam tudo o que encontram pela frente, acompanhado de mensagens ternas: “Olá amiguinha, bom dia! Olá Luizinho, bom dia para ti também! Ó kiducha, começaste bem o fim-de-semana? Ó fofinho, tás pprado p mais uma manhã de trabalho? Ora toma lá um coraçãozinho! Um smile! Um vodca-limão! Uma galleta! Um chocolate! Um bombonzinho com mensagem em italiano! Um malmequer! Uma caixa de música! Ai põe-me a tocar, põe! Maria has sent you a warm hug! Sim sim! Mais abracinhos, que hoje acordei muito em baixo! Mais hugs, e kisses, e taças de champanhe, e presente por presente, já que não se paga nada, para que estamos com subtilezas, até há quem ofereça O MUNDO INTEIRO! Depois disto, que mais se pode oferecer? Há quem atire almofadas, há quem acumule beijinho atrás de beijinho como se não houvesse prá semana, há quem (Alice has just achieved 400 hearts!) seja um verdadeiro latifundiário do coração. Uuuuff!

Os Testes-de-Ferro
Estes são os fanáticos dos testes. Geralmente, a coisa funciona em cadeia: se alguém decide saber ‘Que tipo de Bolo de Natal seria você’, vai toda a gente atrás. Há testes em inglês, em francês, em espanhol, e até em sueco, para quem estiver apostado em apurar a parte direita do cérebro. Graças aos testes, descobrem coisas fantásticas todos os dias: se há fantasmas lá em casa, que tipo de fase da lua são, que tipo de estrela de cinema, de realizador, de maluco, de sociopata, de doença, de disfunção social, de série com médicos. Qual é o número que os representa, a invenção portuguesa que mais se lhes assemelha, a diva que llevan dentro (pronto, este era em espanhol). A coisa pode ser elevada a níveis intensos de esquizofrenia: é possível fazer um teste em sueco para descobrir que tipo de turco se é. Quem começar a ficar preocupado com o imparável galopar do vício, tem à sua disposição testes sobre… os testes! ‘Qu’est-ce qui te pousse à faire tous ces testes débiles’? Boa pergunta…

Os Fantasmas
Eles estarem inscritos até estão porque houve um amigo/namorado ou marido/mulher ou conhecido/desconhecido que lhes mandou uma mensagem a perguntar se queriam ser amiguinhos deles, e eles lá disseram que sim só para o amigo//namorado/etc. parar de lhes chagar a cabeça com um ‘ai, mas é tão divertido! Mas anda lá! Eu depois mando-te um ziriguidunzinho! E recomendo-te aos meus amigos! E podes ser meu vizinho na quinta! E mafioso! E também lá está a prima Armindinha que também é mafiosa’! Mas, na prática, nunca lá põem os, eh, pés? Acham que a net está povoada de hackers prontos a entrarem-lhes no perfil pela calada, como as ovelhas negras do Farmville (‘Hello José, a lonely hacker has just wandered into you barn’), para lhes destruírem os relatórios, invadirem a vida e deixarem a conta a zeros. Também têm medo que haja por lá alguma ex-namorada que poste fotos deles com umas cuecas da Hello Kitty e uns tapa-mamilos com lantejoulas cor-de-rosa. Ao fim de três meses no Facebook, continuam com os mesmos quatro amigos (a mãe, a mulher, a prima Armindinha e um desconhecido que achou que tinha ido com ele à Ovibeja em 1998, mas já percebeu que estava enganado).

Os Quotidianos
Começam logo à segunda-feira a postar qualquer coisa como: ai que tristeza de vida, estou para aqui abandonado e com um ataque de tosse cheio de ranho daquele verde, de certeza que é gripe A de Atrasada. Estes postam todos os minutos da sua existência, por mais desinteressantes que possam ser para o resto da Humanidade, de preferência na terceira pessoa: Joana Maria acabou de comer Cerelac. Ai agora vai ao dentista. Ai que mal que lhe está a correr o dia. Ai dormiu 10 horas, que bem que lhe soube! Joana Maria is 68% in love today! Joana Maria tá sentada na esplanada a olhar para o horizonte! Pediu uma pizza 4 queijos, será que fez bem? Mas que trabalho tão chato, já abriu a boca mais de 10 vezes. Agora vai ali e já volta. Agora vai dormir: bons sonhos, queridos amigos. Ó valha-me Deus! Get a life! E depois, não me contes!

Os Familiares
“Estes são o Manel, a Mariana, a Madalena e o Martim Maria!” “Aqui o Manel a mandar uma cadeira para cima da Madalena, que foooooofo!” “Aqui a Mariana e o Martim Maria a tentarem atirar o gato pela janela.” “Aqui o gato a tentar assassinar a Mariana e o Martim Maria.” “Agora uma cartinha do Paulinho dedicada à sua querida mãe.” “A Mafaldinha acordou com umas borbulhas verdes no queixo, alguém sabe o que pode ser?” Estes são os pais e mães babados do Facebook. Não há foto sem a Constança. Não há dia sem o Bernardo. Às vezes, o perfil deles é uma foto… das crianças. Não há poste sem um relato minucioso das gracinhas do Martim e das covinhas da Carlota. Quem não tem filhos ataca com os sobrinhos, os enteados ou o gato. Nada como uma criatura pequenina, fofinha, novinha em filha. Em folha.

Os Musicais
Já são quase tantos como os agricultores. Estes não se perdem em divagações sobre o futuro do Benfica, que tipo de naperão português é, ou as reformas do Sócrates. O Musical ataca logo de manhã com a ‘Tourada’ do Fernando Tordo, segue para bingo com o ‘My Funny Valentine’ (mas o do Chet Baker), pisca o olho à Ritinha com o ‘Bad Romance’ da Lady Gaga, e atira com o ‘Ne Me Quite Pas’, não for dar-se o caso de estar a perder audiência. Depois passa para o Roberto Carlos, que lhe lembra uma namorada que teve em Porto Galinhas no Verão de 1986 (‘se um outro cabeludo aparecer/na sua rua) e a propósito lembra-se que a tipa o trocou pelo Valter e dedica-lhe o ‘Fuck You Very Much’, da Lily Allen (embora não tenha nada que ver), e acaba às 4h da madrugada a fazer toda a gente (enfim, a gente que por lá pára às 4h da madrugada) chorar baba e ranho com a Audrey Hepburn no parapeito a ronronar o ‘Moon River’. Enfim, são vocações…

Os Intelectuais
Estes não estão aqui para brincar. Rechaçam os ziriguidunzinhos, não sabem o que é um jagode, conseguem viver sem descobrir que Princesa Disney lhes corresponde e muito menos que diva del cine llevan dentro ou qual é o tempo (em sueco) que faz dentro da sua alma. Nunca saberão o trabalho que dá um megamorango, e escusado será dizer que nenhuma vaca perdida há-de ir parar ao seu celeiro. Estes estão aqui para Educar o Povo e discutir o Estado da Nação. Postam artigos da ‘Foreign Affairs’ e do ‘Financial Times’ e estão sempre a protestar que o Facebook não é um recreio, mas ninguém lhes liga, a não ser para lhe explicar que aquilo é suposto ser um recreio. Coisa que eles nunca vão entender porque nunca foram ao recreio, eram os que ficavam na sala de aula a rever a matéria. Coitadinhos.

Os Mirones
Não se sabe ao certo quantos são. Nem onde é que andam. Nem se andam. São os verdadeiros fantasmas. Vão passeando pelas páginas dos amigos, mas nem ai nem ui. Nem uma palavra. Nem um ‘Gosto’. Só lá andam para ver o que se passa, mas caladinhos que nem ratos. Claro que todos nós já fizemos isso, mas há quem seja Calado Que Nem Rato por sistema. Resultado: achamos que estamos sós, só nós e o Paulinho, e não. Para todos os efeitos podemos estar nós, o Paulinho e mais 4998 calados ‘amigos’.

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