Mas a minha mãe era verdadeiramente linda. Morenaça, cabelos escuros e olhos verdes, de um verde lindo salpicado por pequeninas “borras de café”. Linda! A imagem mais distante que guardo na memória é o seu penteado banana, um penteado clássico que se usou muito nos anos 60 e que está de volta, mas mais desarranjado. Numa fase mais madura e o aparecimento dos primeiros grisalhos, começou a pintá-los, de dois em dois meses, no cabeleireiro e só deixou de o fazer depois do meu pai falecer. Os efeitos da passagem do tempo imprimiram uma nova coloração aos cabelos da minha mãe, que passou a ser loura, o que sucede a uma grande maioria das mulheres com o passar dos anos (também estou a ficar loura e não me incomoda nada a associação estigmatizada com a burrice…).
sábado, 1 de julho de 2017
Mãezinha, eras linda…
Mas a minha mãe era verdadeiramente linda. Morenaça, cabelos escuros e olhos verdes, de um verde lindo salpicado por pequeninas “borras de café”. Linda! A imagem mais distante que guardo na memória é o seu penteado banana, um penteado clássico que se usou muito nos anos 60 e que está de volta, mas mais desarranjado. Numa fase mais madura e o aparecimento dos primeiros grisalhos, começou a pintá-los, de dois em dois meses, no cabeleireiro e só deixou de o fazer depois do meu pai falecer. Os efeitos da passagem do tempo imprimiram uma nova coloração aos cabelos da minha mãe, que passou a ser loura, o que sucede a uma grande maioria das mulheres com o passar dos anos (também estou a ficar loura e não me incomoda nada a associação estigmatizada com a burrice…).
terça-feira, 13 de junho de 2017
Durante a minha ausência
domingo, 7 de maio de 2017
O meu “sexygésimo” aniversário
No entanto, neste dia quero celebrar os meus 60 anos redondos com um brinde ao meu futuro e à vida, com votos que este ano de 2017, ano chinês do galo de fogo (salvo erro), me transforme numa “sexygenária” liofilizada (enxuta faz-me pensar que sou velha mas não sofro de incontinência… ahahahah). Iniciei uma “recauchutagem”, deixei de usar óculos, fiz há dois meses uma artroplastia, ou seja, tenho uma prótese no joelho direito, e farei, assim que as minhas finanças permitam, uma correcção dentária. Depois sim, como diz uma colega, ninguém pára a “puta da velha”… E, por favor, a quem me lê, não me comparem ao RoboCop, sim?
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Sugam-me a vida
Sinto-me, cada vez mais, uma “pastilha elástica”.O dia-a-dia e a sociedade vão-me mastigando até que fique sem sabor, depois irão cuspir-me, deitar-me fora quando não tiver mais préstimo...
Conforme os anos passam, apercebo-me que os melhores anos da minha vida se afastam cada vez mais do presente e não consigo vislumbrar um futuro, muito menos um futuro risonho...
Sugam-me a vida e a esperança. Bem me agarro a essa vida e a essa esperança, mas a amargura cola-se-me à pele, não há como fugir às sanguessugas...
No “tempo da outra senhora” só os filhos das famílias com posses tinham oportunidade de estudar, particularmente os que viviam nas grandes cidades. Sinto que caminhamos para o mesmo… sem ter em conta se vivemos na cidade ou no campo.
Todas as pessoas são iguais e têm direito a oportunidades iguais, mas no mundo as coisas não funcionam assim. Todas as pessoas devem ter as mesmas oportunidades independentemente do sexo, da raça, da língua, da religião, das convicções políticas ou ideológicas, da orientação sexual, etc., mas a verdade é que a situação financeira é um elemento que traz desigualdades bem visíveis. As famílias com melhores condições financeiras podem oferecer aos filhos benefícios, actividades e alguns bens e auxiliares educativos que eu não posso. Assim, o sucesso não depende apenas das faculdades intelectuais, mas das oportunidades, sejam elas educativas ou não. As oportunidades são condicionadas pelo estatuto económico e este limita o desenvolvimento cultural das pessoas.
Sugam-me a vida e a esperança. A esperança de progresso, de facultar às minhas filhas uma vida mais despreocupada, de lhes dar a possibilidade de se aperfeiçoarem e se prepararem melhor para um mundo cada vez mais exigente, enfim, garantir-lhes o que os meus pais me proporcionaram. Claro que os meus pais, com a minha idade, tinham uma vida estável, como era natural que acontecesse quando entrávamos numa fase da nossa vida. Esse princípio, lamentavelmente, já não pode aplicar-se. Actualmente, na altura da vida em que precisamos de tranquilidade e de um certo desafogo financeiro, não há certezas nem esperanças…
Não me sinto discriminada pela profissão, sexo (não escondo o rosto atrás de uma burca) ou cultura. As minhas oportunidades não são condicionadas pela região onde vivo, a minha orientação sexual, as convicções ideológicas ou pela (des) crença, estão sim sujeitas à minha situação financeira, condenada a agravar-se sem que haja expectativas à vista, uma tempestade que tenho de atravessar sem bonança no horizonte…
Se a inserção está ligada a todas as pessoas que não têm as mesmas oportunidades dentro da sociedade, então, cada vez serão mais os excluídos socialmente…
O Ministério da Igualdade teve uma existência curta, foi criado e extinto há uns anos, quase sem darmos por ele, talvez porque a igualdade, que se apregoa como um direito, é quimérica e não é sustentável…
Sugam-me a vida e a esperança, mastigam-me até ficar sem sabor, trituram-me, reduzem-me a nada, arrastam-me numa tormenta que não criei…
sábado, 31 de agosto de 2013
Compromissos de Férias
O título deste post dá a ideia de que me obriguei a fazer determinadas tarefas durante as férias, mas não é disso que se trata, principalmente porque as palavras férias e tarefas são, a meu ver, antagónicas. Estas duas palavras juntas não jogam, e eu não consigo associá-las sem ter um ataque de brotoeja…
Na verdade, os compromissos a que me refiro são agradáveis e relaxantes actividades que me dão um enorme prazer.
Já é do conhecimento de todos os que me visitam com alguma regularidade que sou membro do Postcrossing e existem duas razões óbvias e de peso que me levaram a fazer parte dessa comunidade, receber e enviar postais. É claro como água, embora o Postcrossing, ao contrário da água, nada tenha de incolor e insípido.
O conteúdo da minha caixa do correio, sensaborão e previsível, passou a ser uma caixinha de surpresas coloridas. É evidente que as contas para pagar, os extractos bancários e a publicidade não desapareceram, mas a verdade é que os postais vieram dar vida a uma caixa do correio agonizante e tristonha.
Recordo, com saudade, a satisfação que dantes sentia ao receber postais ilustrados no meu aniversário, na época natalícia e nas férias. Era uma sensação única… Passei a receber SMS e emails, mas essas mensagens não têm o fascínio de uma missiva manuscrita. Por cá, com a agitação que nos consome no dia-a-dia e a rendição sem luta às novas tecnologias da comunicação, fomos perdendo o hábito de enviar postais. Dado que julgo isto lamentável, e me agrada muito esta salutar correspondência, porque não recuperar a tradição e o tempo perdido?
Pois foi assim que, nestas férias, retomei o delicioso ritual e os postais ilustrados voltaram à vida, renascendo das cinzas qual fénix. Sem necessidade de eloquência, sem preocupações com a caligrafia, somente pelo prazer de escrever, mesmo que sejam apenas banalidades próprias das férias ou notícias meteorológicas e sazonais, troquei postais com família e amigos. E vocês, dependentes do rato e do teclado, há quanto tempo não escrevem um postal?
Infelizmente, não tenho fotografia dos postais que enviei, mas aqui fica uma dos postais que recebi. Magníficos…
O outro compromisso a que me dediquei deleitosamente foi à leitura e, nestas férias, regressei aos livros juvenis da minha adolescência, mais precisamente a livros de Enid Blyton. Reli e, apesar de os ver com outros olhos, de já não sentir o entusiasmo e a emoção de tempos idos, não me desiludiram. Por muito que o mundo gire e o tempo passe, Enid Blyton fará sempre parte de uma parte da minha vida, particularmente das minhas saudosas férias grandes.
Logo, pareceu-me apropriado relê-la no meu maior período de descanso. Sem sair da espreguiçadeira ou da toalha de praia, mesmo já não sendo criança, parti à aventura na ilha, partilhei o mistério de Rockingdown, viajei até à montanha secreta, passei momentos mágicos na casa da árvore oca, desembarquei na ilha Kirrin e convivi diariamente com a família da casa da esquina… Valeu a pena…
domingo, 11 de agosto de 2013
Uma Mulher, uma Obra
Tanto quanto me lembro, a partir de meados dos anos 60 até ao início da década de 70, quando já tinha lido os livros publicados de Blyton de uma ponta a outra, e enquanto esperava pela publicação de mais um, eu lia tudo o que apanhava à mão. Entre as estantes do meu pai e as do meu irmão Z., a oferta era grande e foi durante essa época da minha vida que li alguns clássicos da literatura portuguesa, Júlio Verne e alguns policiais. Alturas houve em que, armada em pseudo-intelectual, lia obras mais complexas como A Matilha (julgo que é de Alexei Tolstoi), Otelo de Shakespeare ou O Leque de Lady Windermere de Oscar Wilde, mas confesso que a minha aspiração a intelectual se revelou muito árdua e abandonei rapidamente as pretensões…
Enid Blyton foi, durante esse período, a minha autora de culto! Na época em que o tempo passava devagar e os Verões eram intermináveis, os livros de Blyton foram a minha bíblia…
Se Enid Blyton vivesse ainda hoje, decerto teria vários dos seus habituais ataques de fúria ao olhar para o que fizeram dos seus livros.
A brigada do politicamente correto não desiste e pretende dar às personagens de obras escritas nos anos 40 e 50 atitudes e tomadas de posição do século XXI. E transformar a sua fala numa linguagem assética que não ofenda nenhum leitor mais suscetível.
Em 1999, a Chorion encarregou-se de fazer o serviço, emendando várias personagens dos seus livros, num furor que chega a raiar o ridículo. É preciso expurgar os livros – diziam. Era habitual, nos livros dos Cinco, encontrarmos a exclamação “a Zé estava mais preta que um preto coberto de fuligem!”. Nas novas edições, “a Zé está negra de fuligem”.
Na Aventura na Ilha, o vilão negro chamado Jo transforma-se num normalíssimo branco chamado Joe.
A Bessie, dos Sete, passa a Beth, porque Bessie é um nome com eventuais reminiscências da cultura negra (como se as crianças dessem por isso…).
As relações homem/mulher são também alteradas. A tia Clara nunca mais poderá dizer “o vosso tio quer”, mas sim “nós queremos”. […] A pobre da Ana viu-se privada das bonecas, porque também nos brinquedos devia reinar a igualdade.
[…] E também a educação dos nossos dias deverá substituir a educação que, nos anos 30 e 40, as personagens tinham: nada de expressões como “olha que levas uma tareia!” (mudada para “zango-me contigo!”);nem o Júlio poderá alguma vez incitar a Zé a “dar uma bofetada, um pontapé ou arrancar as orelhas ao Edgar”.
[…] Também ao nível da linguagem e dos nomes das personagens as mudanças são muitas, todas elas na base do “estão fora de moda”. […] Para evitar conotações sexuais, baniram-se do texto expressões como “so queer” (substituído por “so weird”, ou até “a gay morning” (substituído por “a bright morning”).
[…] É evidente que as crianças não se sentem agredidas pela escrita de Enid Blyton, nem percebem as acusações que lhe fazem – a não ser quando lhes chamam a atenção para elas.
[…] Com algum sentido de humor, o Mail Online de abril de 2012 publica um texto sobre o assunto, rematando: certamente toda a obra de Blyton vai ter de ser reescrita, para apaziguar o pensamento de uma minoria politicamente correta que acha que as crianças não são capazes de dar um salto imaginativo para o passado.
[…] Será lícito mudar um clássico? Porque, quer se queira quer não, Enid Blyton é um clássico.
Considero uma monstruosidade o que fizeram com os livros de Blyton, uma estupidez sem fim! Na minha modesta, mas inabalável opinião, adulterar a obra de Enid Blyton é uma heresia, é um crime de lesa-majestade, é CENSURA! O presente transforma-se sempre em passado e, daqui a 40 ou 50 anos, o que agora está na moda e é politicamente correcto cairá em desuso, passará a démodé e, nessa altura, os iluminados da época, irão emendar novamente os livros? Ridículo!
Bem, provavelmente, os livros de Blyton são uma coisa para velhos, como eu e outros da minha geração, e os seus mais de 700 livros foram a forma que ela encontrou de parar o tempo, tempo que ficará para sempre na minha memória, muito bem guardado, assim como o cheiro dos pinheiros, no tempo em que eu fazia piqueniques…
Não se compreende que a escritora inglesa que mais livros publicou, influenciando gerações e gerações de leitores em todo o mundo, não tenha um museu a guardar-lhe a memória. Nem escolas, nem bibliotecas, nem sequer uma rua com o seu nome. É miserável…
Podem continuar a assegurar que ela era manipuladora, fria, cruel, xenófoba, racista, sexista e mãe ausente. Em matéria literária isso não importa nada e eu, francamente, estou a lixar-me para a minoria politicamente correcta que anda a desvirtuar a obra. Para eles, todo o meu desprezo!
No meu tempo, era quase impossível ser criança sem ler Enid Blyton e garanto-vos que os dias eram muito mais tranquilos e gostosos…
A Enid Blyton, todo o meu apreço e gratidão.
domingo, 30 de junho de 2013
Humano, demasiado humano
Quando penso nas centenas de indigentes que se multiplicam pelas ruas, as imagens que me assaltam são, invariavelmente, de miséria, carência, solidão, incúria, angústia, isto é, uma total inexistência de factores determinantes para que haja um equilíbrio físico e psíquico indispensável à dignidade humana.
Dizer que os sem-abrigo são toxicodependentes é um cliché e, talvez, em tempos, essa afirmação pudesse ter fundamento, mas, presentemente, esta cicatriz social é fruto das contingências da vida e tem, lamentavelmente, vindo a aumentar. Sinais dos tempos…
Cruzo-me, quase diariamente, com dois homens que, creio, não têm tecto, mas uma vontade serena de não perderem a dignidade.
Um deles, sempre por perto dos seus parcos haveres, tenta vender pensos, cotonetes e algodão, e tive oportunidade de presenciar o seu desconforto quando alguém lhe dá uma moeda sem querer levar algo em troca. Percebi que se sente ofendido com essas atitudes porque, na verdade, não anda a pedir esmola. Passo por ele de manhã cedo e é frequente vê-lo a lavar os dentes e até a fazer a barba. Numa manhã fria de Inverno, vi-o a fazer a barba sentado no chão aproveitando uma nesga de sol que aparecia entre os prédios. Este homem vive na rua, não sei se por opção ou se por força das circunstâncias, mas não perdeu o respeito por si próprio, procede de uma forma digna e tem atitudes que considero nobres…
O outro, mais velho, está longe de se preocupar com a higiene pessoal, usa barbas e vejo-o habitualmente de calções, parecendo insensível ao frio naqueles dias em que eu, encasacada e de calças, me sinto enregelada. Admiro-o, não por andar de calções no tempo frio, embora isso seja digno de nota, mas sim porque, instruído ou não, é um apaixonado pela leitura. Tal como o primeiro, é um solitário, mas faz-se sempre acompanhar por um livro desgastado pelo tempo, embora nunca seja o mesmo. Não faço a mais pálida ideia onde os arranja, sei apenas que este homem me inspira respeito porque se interessa em alimentar a mente e a imaginação, não esquecendo como é importante a leitura na vida do ser humano…
Dizia Nietzsche que aquele que não reserva, pelo menos, ¾ do dia para si é um escravo. Os gregos antigos afirmavam que o escravo ao ocupar a maior parte de seu tempo em tarefas que visam somente à sobrevivência de si e de outros, é destituído do conceito de homem. Dentro desta lógica, questiono-me sobre a dignidade humana e a liberdade, e dou por mim a pensar se estes dois homens não serão seres mais racionais e livres do que eu...
sábado, 13 de abril de 2013
Sejamos pragmáticos
Sherlock Holmes revelou-se surpreendido quando Watson lhe disse que a Terra girava em torno do Sol. Watson ficou atónito, mas mais perplexo ficou quando Holmes respondeu que “Agora que sei disso, tratarei de esquecê-lo o mais depressa possível. Considero o cérebro de um homem como sendo inicialmente um sótão vazio, que deve ser mobiliado conforme tenha resolvido. Um tolo atulha-o com trastes que vai encontrando à mão, de maneira que os conhecimentos de alguma utilidade para ele ficam soterrados, ou, na melhor das hipóteses, tão escondidos entre as demais coisas que lhe é difícil alcançá-los. Um trabalhador especializado, pelo contrário, é muito cuidadoso com o que leva para o sótão da sua cabeça. Não quererá mais nada além dos que são realmente importantes; destes é que possui uma larga provisão, e todos na mais perfeita ordem. É um erro pensar que o dito sótão tem paredes elásticas e pode ser distendido à vontade. Segundo as suas dimensões, há sempre um momento em que para cada nova entrada de conhecimento, teremos que esquecer qualquer coisa que sabíamos antes. Consequentemente, é da maior importância não ter factos inúteis ocupando o espaço dos úteis.”
Watson protesta, mas Holmes, impaciente, responde-lhe que “Você diz que giramos em torno do Sol. Se girássemos em volta da Lua, isso não faria a menor diferença para o meu trabalho…”
terça-feira, 19 de março de 2013
Ternas lembranças II
Neste dia dedicado aos Pais, revelo o meu contributo para o segundo encontro familiar mensal (23/02/2013) de homenagem ao meu falecido pai, no ano em que comemoramos o seu centésimo aniversário.
Neste nosso segundo encontro familiar de tributo pos mortem ao meu pai, no ano do seu centésimo aniversário, abordo uma questão penosa, as suas imperfeições. Peguei neste tema porque foi motivo de diálogo no nosso primeiro encontro em Janeiro e não quis deixar passar a oportunidade de, generalizando, ajuizar as suas falhas.
Certamente, a minha já pouca ingenuidade não me permite olhar para o meu falecido pai como um poço de virtudes, um herói sem mácula, um ser perfeito, um marido exemplar, um pai irrepreensível. Sei que o meu pai terá errado ao longo da sua duradoura vida, mas quem nunca errou que atire a primeira pedra. Evidentemente que “santificá-lo” depois do seu falecimento seria tarefa pouco árdua. A morte tem o dom de nos tornar pessoas de bem. Por algum processo congénito ou químico, que desconheço, acontece, com frequência, a morte transformar pessoas intragáveis e hediondas em excelentes pessoas. Não é o caso.
O balanço que faço em relação aos defeitos e às virtudes do meu pai é positivo, com o prato da balança a pender para os princípios morais.
Tomo como exemplo a história de dois vasos, cada um deles suspenso nas extremidades de uma vara. Um deles era perfeito, o outro era rachado. O vaso perfeito chegava a casa sempre cheio de água. O vaso rachado chegava quase sempre vazio, mas graças a esse defeito cresciam belas flores na beira do caminho por onde passava diariamente…
O meu pai não foi um “vaso” perfeito, naturalmente tinha os seus defeitos, mais acentuados na meia-idade e mais esbatidos na velhice, ou será que foi ao contrário e eu já não me recordo?
O meu pai não foi um “vaso” perfeito, mas as suas imperfeições também contribuíram para o meu crescimento, comportamento e amadurecimento como ser humano. O meu pai não foi um “vaso” perfeito, mas foi ele que me incentivou a pensar, que me apontou o caminho da honestidade, que me encorajou sempre a assumir os meus erros, que me deu os melhores conselhos, enfim, que me ensinou a ser quem sou…
O meu pai não foi um “vaso” perfeito, o meu pai foi um “vaso” quebrado e imperfeito que ao longo da vida me foi nutrindo o carácter através de alicerces morais e cívicos com que até hoje pauto a minha vida.
O meu pai foi um “vaso” imperfeito, mas os seus defeitos nunca foram, nem serão, razão suficiente para fazer com que ele deixasse de ser, aos meus olhos, o melhor pai do mundo...
Ternas lembranças I
Neste dia dedicado aos Pais, faço questão de divulgar dois textos, escritos pelas duas netas mais velhas, pela ocasião do segundo encontro familiar mensal (23/02/2013) de homenagem ao meu falecido pai, no ano em que comemoramos o seu centésimo aniversário.
Texto I
Quando o avô era só meu
Talvez consiga recuar na memória.
Talvez, como exercício a que me proponho, consiga ir ao encontro das memórias mais antigas e reconstruir a minha história onde entra o avô. Isto porque a história será sempre a minha, não a dele.
O que me surge não são narrativas, são apenas imagens ou quadros soltos. Posso deixar as narrativas para outro dia e concentrar-me nestes quadros, tentando-os descrever. Ainda assim serão sempre os meus quadros, fruto da minha memória. Ou imaginação.
Quadro I - a Escrita
O avô sentado à mesa da Sala de Jantar, a mesma mesa e a mesma sala dos dias de hoje. O avô, de casaco e gravata, um livro grande de capa dura e muitas linhas esquisitas que ele preenchia com números perfeitos. A caneta do avô era pesada e eu gostava de lhe pegar, tão diferente era das minhas, e de lhe sentir a textura. Não me lembro de a ter usado. Mais tarde, quando estava na 4ª classe, o pai ofereceu-me uma caneta que se assemelhava um pouco a esta. Ainda a tenho.
O avô curvava-se sobre o livro, à noite, a luz do candeeiro acesa, e ele escrevia números perfeitos.
Quadro II - a Fruta
O avô sentado, novamente a mesma mesa e a mesma sala.
O avô sentado no lugar que eu me lembro sempre dele. A fruta no fim da refeição.
Laranjas:
O avô não come as laranjas como os outros adultos que eu conheço. Ele corta uma tampa da laranja, amassa o interior com uma colher e junta-lhe açúcar, muito açúcar. Mais açúcar do que seria permitido a uma criança. O açúcar está dentro de uma caixa de plástico da «Tupperware». Toda esta operação é acompanhada da descrição verbal da mesma: o avô ensina-me a melhor maneira de comer uma laranja.
Eu, ao seu lado esquerdo, olho com grande espanto para a manobra, reverencialmente. Ter-me-á ocorrido que esta sim é uma maneira verdadeiramente especial de comer uma laranja, reservada apenas a adultos. Especiais.
Uvas:
O avô come uvas pretas como se não houvesse amanhã. Estas estão dentro de água e ele tira-as para o seu prato e vai comendo. As uvas pequeninas são separadas e são-me oferecidas. Uvas pequeninas, era especial. Eu sentia-me especial.
Estas memórias à mesa são nocturnas. Julgo que fazem parte de episódios que aconteciam nas temporadas esporádicas que eu passava na casa dos avós, quando a avó Olívia ia para Leiria. Acontecia todos os anos.
Quadro III - mãos dadas
A ir ou a regressar do Clube. Fazer o percurso em cima dos muretes e tentar saltar entre eles com a ajuda de uma ida ao colo. Talvez isto tivesse lugar aos fins-de-semana. Era de dia.
Quadro IV - Nadia Comaneci
A minha heroína dos Jogos Olímpicos do Verão de 1976.
Eu a cabriolar, saltar nos sofás e subir pelas ombreiras das portas. O avô a chamar-me Nadia Comaneci, um verdadeiro adjectivo elogioso.
Estes quadros pertencem todos a uma fase anterior à minha ida para o Rainha Santa. É o mais longe que consigo ir nas minhas memórias do avô. Foi um bom esforço tentar recordar. Compensador.
Texto II
O que mais recordo são as mãos e o sorriso. As mãos, grandes, secas e frescas, que envolviam as minhas de vez em quando e assim ficavam durante algum tempo. O sorriso, terno como só o de um avô pode ser, brindava-me muitas vezes, mesmo quando o Inverno da vida teimou em chegar. Mas como sempre, a seguir ao Inverno vem a Primavera, seja lá o que for que isso signifique.
Relembro também as noites em que dormi em casa dos avós, muito bem aconchegada no sofá grande. Adormecia com o som da televisão (mesmo estando o avô com os seus auscultadores, ouvia-se na mesma) e com o crack crack proveniente das bolachas ou tostas, acompanhadas pelo leite, que o avô comia, sentado no seu sofá. E de vez em quando lá me atirava um sorriso, por entre dentadas. E assim eu caía lentamente no sono. Um sono acolhedor como nenhum outro, como só era possível ali.
Era bom chegar a casa deles para almoçar, num dia de aulas, e dar com o avô sentado à mesa, a ler o jornal. Quando não estava sentado à mesa, eu ia sentar-me no sofá um bocadinho, acendia a televisão e esperava que ele aparecesse. E lá chegava ele. Entrava na sala, via-me e dizia “Hoje estás cá, Teresinha?”, e vinha dar-me um beijinho na testa. Nessa altura, era o único, deste lado da família, que me tratava por Teresa. Não gosto muito, mas já me habituei e não me faz diferença. Contudo, quando era dito por ele, tinha um som diferente. E eu gostava daquela sonoridade harmoniosa só dele.
Apesar de conversarmos, ainda que com alguma dificuldade, era uma comunicação que se baseava muito na troca de olhares e de sorrisos. Porque há momentos intemporais em que nada há para dizer, e apenas partilhamos a companhia com aqueles de quem mais gostamos. E é nesta convivência calada que por vezes os laços se tornam mais fortes, porque às vezes as palavras estão a mais e não deixam que aproveitemos aqueles instantes raros que pendem da vida como as gotas da chuva de um beiral. É essa a magia da vida, que poucos, muito poucos, conseguem transmitir. Era esse encanto que sentia quando estava perto dele, mas que só agora sei o que era. E ao contrário daquilo a que correntemente chamamos magia, aquela nada tinha de ilusório. Era real como nenhuma outra coisa e, tal como as melhores coisas da vida, não se via, sentia-se apenas. Aquecia o coração.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Antes do fim…
Há três anos era domingo. Um dia frio, muito frio, tanto frio…
Um dia frio e inconciliavelmente chuvoso.
As palavras, guardadas nos confins da minha tristeza, corriam-me no sangue e propagavam-se a todo o meu ser sem que eu conseguisse proferi-las. Talvez porque o sofrimento e a culpa se enredaram na garganta embargando-me a palavra…
Um domingo frio, muito frio. Foi neste dia que o meu pai, um velhinho fraco e amedrontado, entrou no lar. Porquê naquele dia? Porquê tão perto do Natal? Porque tivemos que fazer escolhas? Porque tivemos que decidir em tão pouco tempo? Porque condescendi? Porquê nas vésperas de Natal? Porquê naquele dia? As respostas a estas questões são seguras e inalteráveis, mas nunca me consolam.
Deixei-o já deitado no quarto, felizmente aquecido. Prometi voltar brevemente. Tentei capacitar-me de que tínhamos tomado a decisão correcta. Até hoje não estou certa disso… Foi a última vez que o vi com vida. Um dia frio, muito frio, um frio que me aprisionou a esse domingo e à promessa que não cheguei a cumprir. Há três anos…
Saímos do lar num profundo silêncio, destroçada por deixá-lo com desconhecidos. O frio abraçou-me e as lágrimas confundiram-se com a chuva…
domingo, 9 de setembro de 2012
As palavras que nunca te direi…
A minha mãe fez hoje 92 anos. O meu pai faria 99. Mais um aniversário só com um aniversariante…
Paizinho, há quase três anos que partiste. As lágrimas foram secando, mas continuo a chorar por dentro e a culpabilizar-me por não ter estado presente na tua partida, por não te ter visto mais uma vez, por não ter dito que te amava incondicionalmente, porque é tarde demais para alterar o que fiz de errado, porque é tarde demais para te abraçar e dizer as palavras que nunca te direi…
Quando o futuro é incerto, mas a certeza de momentos difíceis se avizinha, faz-me falta a tua imagem de velhinho prudente, as tuas palavras sábias, a tua voz serena, a mansidão das conversas, porque todos os meus medos adormeceriam contigo por perto. É legítimo dizer que me sinto órfã, que me sinto desprotegida? É infantil dizê-lo? Di-lo-ei na mesma porque a saudade e a dor confundem-se, atormentam-me, e eu acabo por sucumbir nesta luta de sentimentos da qual me tornei dependente.
Neste dia, a R., minha sobrinha, mimoseou-me com uma ideia sublime, enternecedora e cheia de significado. O ano de 2013, em que recordaremos o centenário do meu pai, será um ano de tertúlia, uma reunião familiar mensal em que partilharemos histórias e visões diferentes, visto que cada um de nós o conheceu em etapas distintas da sua longa vida. Será comovente e as lágrimas, seguramente, bailarão nos olhos, mas será, igualmente, compensador saber que viverá para sempre nas nossas memórias e poderei relembrá-lo com palavras que nunca lhe direi…
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
Desencontros e encontros
Como não posso dizer que a minha saída do Facebook tenha sido um acontecimento (bem, foi um bocadinho… e continuo radiante!) nem que foi guiada por algum ente, não sei a quem devo agradecer o encontro que tive, uma semana depois.
Procurei com perseverança através do Facebook, e até esgotar os recursos, uma colega e amiga de infância que vivia, nos idos anos 60, a uns escassos 250 metros da minha casa. Fiz todos os esforços que estavam ao meu alcance para a encontrar, mas não fui bem-sucedida. Um dia encontrei a mãe, mas a senhora pareceu-me um pouco taralhouca e acabei por suspender as minhas diligências. Parecia que se tinha ausentado para sempre, levado um descaminho tal que se teria esfumado da face da Terra. Encontrá-la era mais do que uma caturrice, era uma enorme vontade de a abraçar e relembrar o nosso passado partilhado.
Frequento esporadicamente uma pastelaria que fica equidistante das nossas antigas habitações. Não por saudosismo, porque o estabelecimento é muito mais recente do que a nossa antiga camaradagem, mas porque, além de ter um café que me agrada, tem área de fumadores, multibanco e um espaço reservado à venda de jornais e revistas. Foi numa dessas casuais passagens que encarei com a mãe numa cadeira de rodas, visivelmente privada das funções cerebrais, e com a filha, a minha amiga de infância, sentada ao lado dela. Deram-me dois baques!... Um, por ver a senhora num tão avançado estado de decadência, o outro, porque ali estava ela… com mais quarenta e tal anos…mais uns quilos… mas os mesmos traços, a mesma fisionomia da menina de outros tempos…
Reconhecemo-nos, e com um sorriso aberto murmurámos os nossos nomes. Depois, ficámos ali a reviver traquinices e patetices que pertencem a uma outra época, a outras vidas… Insisto em voltar ao passado e, agora, é difícil recordá-la como era, só me vem à ideia como está… Esta coisa da idade é terrível! Às vezes penso que deveria ser proibido reencontrar alguns amigos, colegas e namorados da nossa meninice e adolescência. Só arruinamos as memórias que temos deles… Os magros passam a gordos, a barriga, outrora lisa, predomina num corpo adiposo ou flácido, as cabeleiras fartas e sedosas dão lugar a carecas, as cores atenuam-se numa preponderância de brancos, as barbas e os bigodes seguem o mesmo caminho, os pelos rareiam, mas teimam em não deixar o buço, os “pés de galinha” espreitam sem pudor, os divertidos ficam rabugentos, os simpáticos viram uma seca descomunal, o sonho passa a pesadelo…
Apesar destas minhas divagações, a verdade é que sou uma incurável nostálgica e é sempre compensador tornar a ver gente que fez parte da nossa vida, noutros tempos…
sábado, 9 de junho de 2012
Deixei de pertencer ao “rebanho”
Quando me registei no fenómeno do Facebook, há mais de um ano, pensei ser uma forma de encontrar amigos de quem há muito tempo não sabia o paradeiro. No entanto, os meses foram passando e só lá ia esporadicamente, algumas vezes, confesso, quase por imposição… Apesar de ter encontrado algumas colegas da instrução primária e do liceu, nunca lhes enviei uma mensagem nem sequer lhes pedi amizade. Porquê? Apercebi-me que exibicionismo, voyeurismo e mexericos, decididamente, não fazem parte do meu mundo, que a minha vida não gira em torno do Facebook, que passo muito bem sem os “gostos”, os toques e os feedbacks imediatos, que a maioria das coisas que por lá se passam são simplesmente desnecessárias ou desinteressantes, que não quero que me desejem uma boa viagem para a Cochinchina, que não quero que comentem a minha viagem à Cochinchina, que não gosto que me dêem os parabéns através de uma rede social, que não quero estar na moda, que não me interessa mostrar que sou culta, que não quero pertencer à “gente gira, fresca e leve”, enfim, que não quero fazer parte da carneirada… Minutos antes de pedir a eliminação permanente da conta fiz três perguntas a mim própria: “Sendo o Facebook uma forma de encontrar velhos conhecidos, por que razão só eu ansiava pelo reencontro? Por que razões não me tentaram encontrar? Será que eu iria gostar de reencontrar essas pessoas que fizeram parte da minha infância e da minha adolescência? As respostas que dei a mim mesma foram esclarecedoras. Se for vontade do acaso encontrá-los-ei por aqui ou por aí, como já aconteceu. Os outros, os meus verdadeiros amigos, sabem onde moro e têm o meu número de telefone…
Deixei de pertencer ao “rebanho”, sou uma ovelha negra, mas sempre ouvi dizer que uma ovelha negra não estraga o rebanho.
Deixei de pertencer ao “rebanho” e estou radiante!
(imagem doada, via e-mail, pelo meu amigo JMC)
segunda-feira, 7 de maio de 2012
Memórias e Afectos (96)
Recordar a minha infância é sempre compensador, mas estava longe de imaginar que o meu primo J. me fizesse esta enorme surpresa. Embora já tivéssemos conversado sobre a planta da saudosa casa do nosso avô R., apesar de o J. ter, inclusivamente, feito um esboço, julguei que o assunto tivesse caído no esquecimento, pois são tantos os afazeres que algumas coisas vão ficando para trás, geralmente aquelas que nos dão verdadeiro prazer.
Hoje é o meu aniversário. Hoje fui contemplada com um presente único. O meu primo enviou-me uma “obra-primo”, a planta de localização e a planta da casa do avô R., nas Caldas da Rainha, onde passámos uma parte da infância, as férias grandes, e onde nos sentimos afortunados por termos um avô fantástico…
Isto, na altura em que me chamavam “princesa”, o sorriso era fácil, não tinha inquietações, as lembranças eram curtas, os sonhos imensos, não sabia o que era saudade e o tempo passava devagar…
terça-feira, 17 de abril de 2012
A (minha) mania das grandezas…
Li um artigo de opinião de Eduardo Paz Ferreira, no Jornal de Negócios, glosando o tema Portugal e a Europa avançam qual "Titanic" para o naufrágio.
Avanço desde já dizendo que não vou debruçar-me sobre este assunto porque, além de não ter nada a acrescentar ao acertado texto, não tenho bagagem para dissertar sobre a matéria. Vou, portanto, apenas apreciar um pequeno excerto em que ele evoca a tragédia do unsinkable Titanic. Dizia Paz Ferreira “Aquilo que me inquieta e desafia é, de facto, a indagação sobre o que faz o fascínio do tema Titanic. Com o maior respeito pelas poucas mais de mil e quinhentas pessoas que faleceram no desastre, não consigo deixar de recordar – e em que quantidade, infelizmente – muitos outros acontecimentos bem mais trágicos e destruidores de vidas humanas, que não merecem a mesma atenção e, desde logo, o naufrágio do "Lusitânia", atingido por um submarino alemão três anos depois.
Provavelmente que a explicação, muitas vezes adiantada, de que o interesse é devido ao facto de o desastre corresponder a uma demonstração de, que sempre que o homem proclama a invencibilidade de um engenho seu, a natureza ou as divindades tratam de o reconduzir à sua verdadeira dimensão, tem alguma razão de ser.”
Quem tem a caturrice, coragem e pachorra de me ir lendo e passar por aqui (bem hajam, como diria o empregado da pastelaria Astro na Av. Guerra Junqueiro, em Lisboa…) está careca de saber que eu sou uma eterna apaixonada do transatlântico RMS Titanic, da White Star Line, e do RMS Lusitania, um navio da Cunard Line. Quem me conhece bem sabe que esta paixão tem algo de lunático e, porque não confessá-lo, de maníaco. Também atraído por estas questões, o meu amigo JMC dizia-me, há pouco tempo, que este interesse por naufrágios seria, claramente, objecto de estudo e análise por parte de Freud… (não confundam com um case study porque eu não sou uma ferramenta de marketing nem tão-pouco uma história de sucesso…).
Pegando na convincente teoria freudiana que comparou o psiquismo humano a um icebergue, e sabendo nós que a sua parte visível corresponde ao consciente e a parte submersa, que não se vê e é maior, ao inconsciente, cabendo-lhe um papel determinante no comportamento, deduzo que inconscientemente sou maluca...
Quando Eduardo Paz Ferreira confronta os dois trágicos naufrágios declarando que o desastre do Lusitania nunca mereceu a devida atenção, tem manifestamente razão, mas faltou-lhe mencionar que o dramático naufrágio do Titanic, o gigante dos mares, foi amplamente divulgado por ser um navio supostamente inafundável, naufragou na viagem inaugural sem ter chegado ao seu destino e tudo isto aconteceu em tempo de paz…
Por que razão não esquecemos o Titanic? Para o historiador e pesquisador inglês Tim Maltin“o Titanic é a tragédia perfeita: o homem tentou controlar o universo, mas viu que a sua grandeza não é total. Até a mais avançada tecnologia pode ser dobrada por um vasto universo que nunca entenderemos completamente.”
Cem anos depois, o fascínio mundial sobrevive…
domingo, 12 de fevereiro de 2012
Carta de saudades…
A professora pediu aos alunos, numa aula de Português, para pensarem numa pessoa que eles admirassem e respeitassem e escrevessem uma carta a essa pessoa. A minha filha escolheu o avô, meu pai. A professora sensibilizou-se com a carta que tinha como destinatário o avô. A mim, não só me comoveu como me fez chorar…
Presenteio o meu avô paterno, no dia do seu aniversário natalício, 12 de Fevereiro, com o mar de palavras da minha filha, para que ele possa, esteja onde estiver, sentir orgulho pelo extraordinário e inesquecível ser humano que era o filho…
Querido avô
Pediram-me para pensar em alguém por quem sentisse uma grande admiração, uma pessoa que me fascinasse. Pensei, voltei a pensar e só te encontrei a ti. Não havia mais ninguém e não sabia bem o porquê, mas talvez fossem as saudades, não sei…
O passo seguinte era escrever uma carta a esse “alguém”, o que me levou a pensar, por instantes, que seria uma tarefa complicada, por já não estares aqui, por achar que já não estavas no meu mundo… mas enganei-me e agora aqui estou a escrever-te, a recordar-me de ti e de todos os momentos que passámos os dois. Recordo ainda tudo aquilo que contigo aprendi. Cresci a ver-te agir como uma pessoa sensata, dando valor às coisas realmente importantes da vida, deixando para trás tudo o que era desnecessário para se ser, dentro do possível, uma pessoa feliz. Ensinaste-me a lutar pelos meus objectivos, a dar sempre o meu máximo para atingir algo que quero, a não me deixar ficar a ver a vida passar-me à frente e eu sem nada fazer, a nunca desistir dos meus sonhos. Algo que espero cumprir, prometo!
Eras uma pessoa fantástica, fizeste-me crescer enquanto ser humano, tornaste-me alguém melhor e mais forte e, por isso, devo-te um obrigada. É tudo isto que me faz orgulhosa de ti e sentir saudade…saudade de ti, saudade do que eras, saudade do que sempre serás para mim.
Quero que saibas que foste uma das melhores pessoas que já conheci, que foste e serás sempre o melhor avô do mundo.Nunca te esquecerei, continuo a ter orgulho em ti, orgulho de ter crescido com uma pessoa tão especial como tu a meu lado.
Um forte abraço,
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Quanto mais velho, pior…
Envelhecer é uma palavra que me inquieta. Como é um assunto que me deprime, não me consome muito tempo, mas tenho a convicção férrea de que, tal como a minha mãe, não aceitarei bem a velhice. Nem sempre assim foi. Tempos houve em que mais um aniversário era sinónimo de vivência, de solidez, de primazia, mas os anos passam e constatamos que envelhecer, desculpem o termo, é uma grande merda… Aquela famosa frase “quanto mais velho, melhor” que define o Vinho do Porto, passou a servir também para nos definir quando chegamos a uma determinada idade, sendo alardeada por muitas pessoas. Como se rotularmo-nos de Vintage afastasse os anos, nos tornasse mais ágeis, suavizasse as rugas e avivasse a memória…
Não há como dar a volta à coisa, envelhecemos... Assistir, impotente, à decadência física dos nossos pais é doloroso, mas quando a falência física é acompanhada por uma falência cerebral, torna-se, inegavelmente, insuportável e penoso. O envelhecimento saudável resulta da conjugação de vários factores, como a saúde mental, a saúde física, a autonomia e a independência económica. Todos eles me assustam, isto é, a falta deles… Claro que há quem envelheça bem, ou melhor, menos mal, mas o tempo é implacável. Não me perturba o aparecimento de rugas nem tão-pouco os cabelos brancos, o que me inquieta é perder 50 000 neurónios por dia, a decadência física, a dependência, o declínio da capacidade cognitiva, a demência. Envelhecer é um verbo arrasador e com um sabor amargo…
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Galinha corada…
Um dos componentes masculinos do meu grupo de amizades (por casualidade, com quem tenho mais afinidade) emprega, por vezes, o vocábulo “galinhas” referindo-se aos elementos femininos, pertençam eles ao grupo ou não. Diz ele que as mulheres quando se juntam parecem galinhas, com mais ou menos penas, mas galinhas na capoeira. Esta forma de tratamento, que não é exclusividade nossa nem é recente, não passa de uma chacota, mas não é do contento de algumas mulheres. A mim não me afecta absolutamente nada! É uma imagem na qual não me revejo nem um bocadinho, e muito menos no depreciativo que, eventualmente, a palavra possa conter, por isso, faço por ignorar o gracejo ou entro na brincadeira. Não vou em grupo à casa de banho, não entro em histeria por dá cá aquela palha, não compro revistas de fofocas (embora a minha vizinha do lado teime em me alimentar a cusquice deixando no meu tapete as revistas que já leu…), não passo horas nas compras (não tenho dinheiro nem pachorra…), não cacarejo, quer dizer, não sou tagarela, e quando cavaqueio de algum assunto que me agrada, não fico alvoraçada ao ponto de “arrancar penas”…
Bom, mas afinal porque é que comparam as mulheres às galinhas? Até há pouco tempo as galinhas eram consideradas estúpidas, mas sabe-se, agora, que as galinhas são, afinal, animais muito inteligentes. Entendem conceitos intelectuais sofisticados, aprendem através da observação, são capazes de demonstrar auto-controlo, preocupam-se com o futuro, e os seus conhecimentos evoluem de geração para geração. As galinhas são curiosas e extremamente sociáveis, gostam de passar os dias umas com as outras, têm mais de trinta sons que usam para compor e transmitir mensagens e também comunicam visualmente. Quem passa muito tempo com galinhas, que vivam num ambiente natural, sabe que cada galinha tem uma personalidade diferente da outra, o que normalmente dita o seu lugar na hierarquia – algumas são mais medrosas, outras mais tímidas e observadoras e outras são um pouco mais agressivas. Cada galinha é um indivíduo diferente com uma personalidade diferente.
Surpreendidos? Pois, contrariamente ao que se pensa, comparar mulheres e galinhas é perfeitamente legítimo. Apesar disso, preferia ser comparada a uma andorinha, a um rouxinol ou até mesmo a uma gralha, por uma razão muito simples, um trauma de infância que tem sido difícil de solucionar, o medo de galinhas! Uma vergonha!... Assim, como é que eu posso ser uma mãe galinha?
[…] A imagem da «Mulher Portuguesa» que os homens portugueses fabricaram é apenas uma imagem da mulher com a qual eles realmente seriam capazes de se sentirem superiores. Uma galinha. Que dizer de um homem que é domador de galinhas, porque os outros animais lhe metem medo? Na realidade, A Mulher Portuguesa é uma leoa que, por força das circunstâncias, sabe imitar a voz das galinhas, porque o rugir dela mete medo ao parceiro. Quando perdem a paciência, ou se cansam, cuidado. A Mulher portuguesa zangada não é o «Agarrem-me senão eu mato-o» dos homens: agarra mesmo, e mata mesmo. Se a Padeira de Aljubarrota fosse padeiro, é provável que se pusesse antes a envenenar os pães e ir servi-los aos castelhanos, em vez de sair porta fora com a pá na mão. […]
(Miguel Esteves Cardoso in “A Causa das Coisas”)
domingo, 25 de setembro de 2011
Águas-furtadas da memória…
Quem pensa que a comida só faz matar a fome está redondamente enganado. Comer é muito perigoso. Porque quem cozinha é parente próximo das bruxas e dos magos. Cozinhar é feitiçaria, alquimia. E comer é ser enfeitiçado. Sabia disso Babette, artista que conhecia os segredos de produzir alegria pela comida. Ela sabia que, depois de comer, as pessoas não permanecem as mesmas. Coisas mágicas acontecem.
Os meus familiares, amigos e quem por aqui passa com alguma regularidade sabem que não tenho gosto pela arte de cozinhar. Não gosto de culinária, mas gosto de quem gosta, e gosto ainda mais de me sentar à mesa e apreciar as suas iguarias. Admito, sem pudor e descaradamente, que não sou uma mestre cozinheira, mas sou uma gastrónoma e um bom garfo…
Nem sempre foi assim. Tempos houve em que eu gostava de cozinhar e de dar mostras das minhas habilidades gastronómicas. No início dos anos 20 (dos meus, claro…) até ao final da década de 30 (a minha, claro…) eu causava alguma sensação com os meus cozinhados e as minhas doçarias. A época natalícia e as festas de aniversário eram propícias às exibições dos meus dotes culinários.
O amor é incondicional e o ódio também. Diz-se que entre os dois há uma linha muito ténue. Embora isso seja discutível, terá sido essa ténue linha a culpada pela minha mudança e, num estalar de dedos, cozinhar tornou-se uma tarefa penosa, um verdadeiro frete.
Instigada pela minha filha A., julgo que claramente saturada da trivialidade da minha comida, comecei, contrariada, a ver o programa 30 Minutes Meals (Jamie Oliver) que está actualmente a ser transmitido na SIC Mulher.
Não sei se foram as refeições rápidas, saudáveis e de aspecto delicioso, se foi o ar descontraído e espirituoso de Jamie Oliver (a antítese dos deuses da culinária nacional, como Maria de Lourdes Modesto, Chefe Silva ou Filipa Vacondeus), mas o certo é que em algum lugarzinho escondido da minha memória, em algum sítio privado e há muito abandonado, despertou a vontade, neste caso o apetite, para voltar a exaltar as minhas qualidades na cozinha.
Only Opens, When Open For Fantasy. © Ben Goossens
Assim, aquela linha muito ténue, responsável pelo meu ódio à culinária, foi, desta vez, a causa da minha recente metamorfose, da minha nova faceta de cozinheira prendada.
Estes lugares recônditos da nossa memória pregam-nos cada partida…