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sábado, 1 de julho de 2017

Mãezinha, eras linda…

Habitualmente, os filhos acham que as suas mães são lindas, melhor, acham que as suas mães são as mais lindas do mundo. Mesmo que sejam grandes camafeus é natural que as achem lindas, basta serem as suas mães. Acredito que haverá filhos que terão a noção que as mães não são nenhumas belezas, mas mãe é mãe, e nunca irão admitir isso. Assim como os filhos serão sempre os mais bonitos para qualquer progenitor, embora alguns consigam constatar que há rebentos mais bonitos do que os seus. Como mãe, enquadro-me nestes. Reconheço que as minhas filhas nunca foram uma Kristina Pimenova, mas para mim, mãezinha coruja, as minhas filhas são perfeitas e lindas. Como filha, enquadro-me nos que acham que as suas mães são (eram) as mais lindas do mundo…
 

Mas a minha mãe era verdadeiramente linda. Morenaça, cabelos escuros e olhos verdes, de um verde lindo salpicado por pequeninas “borras de café”. Linda! A imagem mais distante que guardo na memória é o seu penteado banana, um penteado clássico que se usou muito nos anos 60 e que está de volta, mas mais desarranjado. Numa fase mais madura e o aparecimento dos primeiros grisalhos, começou a pintá-los, de dois em dois meses, no cabeleireiro e só deixou de o fazer depois do meu pai falecer. Os efeitos da passagem do tempo imprimiram uma nova coloração aos cabelos da minha mãe, que passou a ser loura, o que sucede a uma grande maioria das mulheres com o passar dos anos (também estou a ficar loura e não me incomoda nada a associação estigmatizada com a burrice…).            

Há uma explicação simples para este lourar geral, é muito mais fácil disfarçar os cabelos brancos no meio de cabelos louros. Deixo aqui um apelo: Senhoras velhinhas e gaiteiras que pintam o cabelo de preto e usam batom vermelho, abandonem essa imagem, por favor, particularmente as que têm demasiadas rugas no lábio superior! (parece um código de barras).
Prosseguindo, a minha mãe passou a ser loura de olhos verdes. O contraste perdeu-se, mas a minha mãe continuou a ser linda. Quando, aos 90 anos, deixou de frequentar o cabeleireiro e de pintar, o cabelo assumiu um orgulhoso e bonito branco que lhe ficava bem e a tornou especial. O brilhozinho nos olhos, até ali tão intenso, sobressaindo no fundo verde, apagou-se, não fossem os olhos o espelho da alma…

terça-feira, 13 de junho de 2017

Durante a minha ausência

Durante estes três anos e meio de ausência, o panorama da minha vida alterou-se. A nossa vida é marcada por acontecimentos e alguns são inevitáveis, interferindo de forma positiva ou negativa na nossa existência.  Alguns, varrem-se da memória como um castelo de areia à beira mar, apagam-se com o tempo; outros, deixam marcas, deixam saudades, deixam lembranças, ficarão na nossa memória para sempre. Doces ou amargos, os acontecimentos fazem parte da nossa vida e, custe o que custar, temos que seguir em frente.
No seu último livro “A Hora da Estrela”, Clarice Lispector diz “a vida é um soco no estômago”. Julgo que a autora não quis dizer que a vida é toda ela feita de situações inesperadas e negativas e que temos que nos conformar com isso. Creio que a frase pode ser interpretada de uma forma mais abrangente e profunda porque a vida causa dor, mas também nos regozija, magoa e deleita, tira o fôlego e dá alento, enfraquece e dá-nos força, desgasta e estimula, atormenta e tranquiliza, é tumulto e bonança, razão e emoção, é adrenalina e fadiga, afectos e frieza, entusiasmo e desânimo… A vida é, de facto, um murro no estômago, uma vez que é uma manifestação constante e imprevisível de sentimentos entre o desassossego e a serenidade.
Nestes três anos e meio de ausência, perdi dois amigos. Dois amigos que eram irmãos. Num espaço de cinco meses, a mãe ficou sem os dois filhos, ambos na casa dos 50. Ambos inesquecíveis. Até há pouco tempo, fui incapaz de apagar os contactos deles do telemóvel, como se ao eliminá-los quebrasse o último elo e tivesse que admitir que não mais os veria, que faltavam peças no puzzle da minha vida. Doces ou amargos, os acontecimentos fazem parte da nossa vida e, custe o que custar, temos que seguir em frente…
Nestes três anos e meio de ausência, perdi a minha mãe, dois dias antes da minha filha mais nova fazer anos. Devido à idade e ao desinteresse pela vida que se enraizou após a morte do meu pai, a partida da minha mãe não me causou surpresa e, embora pareça de uma cruel insensibilidade, não me perturbou como a do meu pai. Ainda que, nos últimos dias de vida, a minha mãe não dialogasse, consegui transmitir-lhe tudo o que ela sempre representou para mim, todo o meu amor e o enorme orgulho por ser sua filha. Penso que terá partido feliz. Ao contrário, a morte do meu pai, apesar da doença, foi inesperada, um murro no estômago que ainda não ultrapassei totalmente porque o desenrolar dos acontecimentos foi demasiado célere e não me permitiu dizer-lhe as palavras que nunca lhe direi… Disse-as mais tarde, numa angústia só minha, mas o significado perdeu-se no tempo impossível de parar…      
Nestes três anos e meio de ausência, a minha filha mais nova entrou na universidade e estará no 3º ano no próximo ano lectivo. Sempre pensei que proporcionar um curso superior aos filhos seria a melhor herança que podemos deixar-lhes. Uma ferramenta para que possam ser livres e tomar opções, mesmo que sigam uma via diferente da que estudaram. O tempo da universidade é de crescimento académico e pessoal, de convivência e de organização, e tudo isto será sempre muito vantajoso no futuro. Espero que viva a vida em pleno, intensamente, como um soco no estômago, mas sem esquecer a sua essência e os valores que lhe passei.
Nestes três anos e meio de ausência, ganhei um genro. Ganhei no verdadeiro sentido da palavra, acho-o imperdível. Os dois, seguros e equilibrados, bem resolvidos com a vida. A minha filha mais velha casou no mesmo ano em que perdi a minha mãe. Um acontecimento feliz que veio atenuar o outro. A vida é assim, uma manifestação constante e imprevisível de sentimentos entre o desassossego e a serenidade…

domingo, 7 de maio de 2017

O meu “sexygésimo” aniversário

Mas eu já tenho 60 anos? 60 anos redondos? Duvido muito… Deve existir algum equívoco! Sou, em relação a certos factos, céptica, só acredito no que vejo, e na verdade não me vejo com 60 anos, essa é que é essa!
A infância é a idade das interrogações, a juventude a das afirmações (lembro-me bem desta fase…), a idade adulta a das reafirmações e a velhice a das negações. Mas qual velhice? Recuso-me a aceitá-la tal como Dorian Gray? Não, claro que sinto a falta da energia que tinha aos 20 anos, quando descia as escadas a correr e as subia saltando degraus, claro que a idade me trouxe algumas rugas, claro que o corpo deixou de ter firmeza (encanito com isto…) e os cabelos embranquecem, mas a minha alma continua jovem e continuará eternamente jovem…
Na minha opinião e no alto dos meus 60 anos redondos, a juventude é um estado de espírito, assim como a felicidade. Há dias em que me sinto juvenil e noutros essa juvenilidade esmorece, há dias em que transbordo de felicidade e noutros sou assaltada pela melancolia, mas, por sorte, os dias bons são, de longe, superiores aos menos bons.
Tenho consciência que já vivi mais de metade da minha vida, que o meu passado é mais longo que o meu futuro, que os momentos vividos jamais se repetirão. Se é verdade que estou grata pelo passado, assusta-me pensar que os anos que me restam de vida são insuficientes para tudo o que ainda quero fazer… 
No entanto, neste dia quero celebrar os meus 60 anos redondos com um brinde ao meu futuro e à vida, com votos que este ano de 2017, ano chinês do galo de fogo (salvo erro), me transforme numa “sexygenária” liofilizada (enxuta faz-me pensar que sou velha mas não sofro de incontinência… ahahahah). Iniciei uma “recauchutagem”, deixei de usar óculos, fiz há dois meses uma artroplastia, ou seja, tenho uma prótese no joelho direito, e farei, assim que as minhas finanças permitam, uma correcção dentária. Depois sim, como diz uma colega, ninguém pára a “puta da velha”… E, por favor, a quem me lê, não me comparem ao RoboCop, sim?

Mais uma vez, os meus familiares e amigos deram-me uma comovente prova de amizade no meu “sexygésimo” aniversário. Mais uma vez, um almoço surpresa, mas este com mais familiares e amigos do que o almoço dos 50 anos redondos. Mais uma vez, um almoço surpresa, mas num restaurante mais distante com um nome sui generis, “Solar dos Amigos”, na freguesia de Salir de Matos, concelho das Caldas da Rainha, cidade da qual tenho tão boas e doces recordações.


Face ao exposto, já estou a prever um almoço no Porto daqui a 10 anos e, como a distância vai aumentando, quiçá o almoço dos meus 80 anos seja na belíssima região da Toscana… A cidade e o restaurante, deixo ao critério das minhas filhas, não sou esquisita, desde que não morra sem ir a Itália. Por esta altura, devo estar a fazer a revisão (da prótese) dos 20.000… Dicas para lembranças? Calibragem dos “pneus”, mudança de “velas”, rever o “motor de arranque” e trocar os “fusíveis”…
Deixando-me de sandices, vou agora dissertar pelo verdadeiro motivo que me fez começar estas linhas e voltar ao “Balada” ao fim de três anos e meio, os meus familiares e amigos.
Há quem acredite ter pelo menos um anjo da guarda, se o (os) tenho nunca se revelou (ou revelaram), talvez porque a minha fé é pouco consistente e não move montanhas, mas tenho, com toda a certeza, seres humanos excepcionais que se preocupam comigo, uns mais recentes e outros da velha guarda, sendo que nenhum é da Guarda embora me guardem…
A maioria destes meus “anjos” exerce a sua função aos pares, da mesma maneira que as duplas famosas. Quando pensamos em Dom Quixote, vem-nos logo à ideia Sancho Pança e o mesmo se passa com outras duplas, como Sherlock Holmes e Dr. Watson, Bonnie e Clyde, Tom e Jerry, Coyote e Bip Bip, Lucky Luke e Jolly Jumper, Astérix e Obélix, Dupond e Dupont, Sansão e Dalila, Blake e Mortimer, David e Golias, Romeu e Julieta, R2D2 e C3PO, e muitas mais, tais como Tiro e Queda, Corte e Costura e Ponto e Vírgula…
Pois a maioria dos meus “anjos” é assim, funciona aos pares! Relacionando-os com as duplas famosas, não quero, de forma alguma, melindrar nenhum deles, trata-se apenas de uma brincadeira e nem sempre tenho uma explicação aceitável para a analogia, mas sei de antemão que ao lerem isto irão sorrir. Outro ponto que quero salientar é que todas as duplas escolhidas são personagens de ficção.
Começo por uma dupla peculiar nos tempos áureos, Cocas e Miss Piggy (Z. e L.). Porquê? Porque a dupla real é também peculiar, porque o relacionamento deles é impagável, o Cocas mesmo mal humorado é divertido e a Miss Piggy dá umas belas gargalhadas e irrita-se com ele. Se calhar porque quando estou com eles me apetece cantar o tema do Muppet Show… (esta dupla também se poderia chamar Capitão Haddock e Castafiori ou Branco e Tinto).
A dupla seguinte faz parte de algumas das obras da escritora inglesa Agatha Christie, adaptadas à televisão e é o único casal utilizado pela autora. Tommy e Tuppence (J. e R.). Porquê? Sei como gostam de cinema e de séries e, como tal, foi a primeira dupla a ter uma conotação fundamentada, até porque tive uma prova em como ela é excelente em deduções de mensagens cifradas. Ele, perito em fugas, costuma aparecer sempre pelo Natal… Ao contrário do que acontece nos livros, em que os personagens envelhecem de um volume para o outro, este casal bebeu do “elixir da juventude” em pequenos goles and it seems to me that you have the solution to this mistery, don’t you Tuppence?... Gosto muito de ti, Tuppence R. e como diria o Pepe Legal “não se esqueça disso”.
Estava longe de supor que as próximas três duplas estariam no almoço e, embora não tenhamos uma convivência frequente, foi um prazer a sua comparência, inesperada, é certo, mas um prazer. Confesso que não foi nada fácil estabelecer uma ligação entre “estes meninos” e as duplas, porque as que me vinham à ideia não me satisfaziam. Continuam a não me satisfazer plenamente, mas, face à dificuldade, escolhi as menos más.     
A primeira das três duplas (que me deu água pela barba) faz parte do meu imaginário infantil e não perdia os episódios que, na época, passavam a preto e branco na RTP. Fred e Wilma Flintstone (J. e M.). Vive em Bedrock? Não, mas vive numa vila que deverá ter tantos habitantes como Bedrock e julgo que a população tem o costume de participar num entretenimento representativo da região, não, não é bowling, é a Festa da Gastronomia do Maranho. Ele trabalha numa pedreira? Claro que não, mas sei que na zona, onde esta dupla vive, já existiu uma pedreira… Tal como Fred e Wilma, também têm uma filha. Não, não se chama Pedrita…     
A segunda dupla também faz parte do meu imaginário infantil, Mickey e Minnie (C. e T.). Porquê? Porque é um casal que está junto há muito tempo e isso prova que o amor vence tudo e pode durar anos e anos. É uma dupla que gosta de diversão, de conviver com a família, de almoçaradas, jantaradas e petiscos. Tal como o Mickey e a Minnie, envelhecem juntos. É uma dupla que combina bem e que me parece intemporal…
Dei voltas à imaginação para escolher a terceira dupla. Duplas famosas há muitas, a dificuldade está em conseguir estabelecer uma ligação entre o casal e a dupla. Depois de muito ponderar, escolhi Buzz Lightyear e Jessie (P. e A.). Porquê? Confesso que nem sei bem porquê, mas talvez porque ela é extrovertida e agitada e ele mais tranquilo, consequentemente consigo imaginá-lo a chamar-lhe “my desert flower”, talvez porque o relacionamento me parece equilibrado…   
A dupla que se segue é um ícone, Barbie e Ken (O. e A.). Porquê? Surgiu-me de repente, talvez porque são um casal de bom gosto, porque são bem-sucedidos, porque se a dupla marcou várias gerações, a “minha dupla” também me marcou. As diferenças existem, claro, a Barbie é loura e o Ken, apesar de estiloso, não pode variar de corte de cabelo de acordo com o último estilo, mas o resto é indiscutível e eles são um casal fashion…
Lois e Peter Griffin (T. e Z.C.), da série Family Guy, é a dupla que se segue. Porque será? Não, não é uma dupla disfuncional, funciona de uma forma singular conseguindo atingir a perfeição. O Peter é muito popular, faz tudo pela sua Lois, desde que ela o deixe ver o programa de Tv favorito sem falar; ele encanta-nos com o seu entusiasmo, adora conversar e fazer comentários cáusticos. Lois tem tempo para tudo e para todos, é a voz da razão, mas já a vi perder a cabeça em algumas situações, enfim, momentos hilariantes…
E a próxima dupla é Homer e Marge Simpson (Z.C. e C.). Juro a pés juntos que ela não tem o cabelo azul e que ele não é incompetente nem ignorante. Então, porquê? A primeira associação de ideias surgiu porque têm três filhos, depois porque são ambos dedicados à família e julgo que o casamento resiste a tudo. Porque ele, tal como o Homer, tem uma predilecção por cerveja e gosta de comer bem e ela, tal como Marge, tem uma personalidade paciente. Porque é uma dupla divertida e com sentido de humor. (esta dupla também se poderia chamar Imperial e Tremoço…). 
Esta dupla é futurista, talvez porque o signo que rege o casal me transmite uma ideia de vanguardismo, George e Jane Jetson (H. e A.). Porquê? Porque a série se passa na Era Espacial e ela é uma entusiasta de ficção e do Espaço. Talvez porque ele gosta de passar o tempo com a família e ela gosta de novos visuais. Talvez porque consigo imaginá-los a guiar carros voadores e ela seria, certamente, uma digna representante da Galaxy Women Historical Society…   
E mais uma dupla, difícil (duplas femininas são mais complicadas…), que faz parte das minhas recordações de infância, Madame Min e Maga Patalógica (B. e S.). São bruxas? São, as minhas bruxinhas da sorte, têm uma capacidade sobrenatural para me alegrar e eu sempre adorei a dupla. O estereótipo popular de bruxa não se aplica a elas porque não são malvadas nem narigudas. São muito inteligentes e uma delas faz uso frequente de uma “poção mágica” que nos adormece, temporariamente, num abrir e fechar de olhos. Não é um feitiço, mas o nosso reencontro ao fim de tantos anos foi pura magia…
Seguidamente, presenteio-vos com um trio porque não tenho subtileza suficiente para as apresentar separadas. Fauna, Flora e Primavera (Z., L. e T.). Porquê? São fadas? Sim, são três simpáticas fadas que fazem parte da minha vida. Não são minhas fadas madrinhas, mas concederam-me o dom da sua presença. Conheço uma desde os meus seis anos, é verdade, e empresta-me, frequentemente, a sua “varinha de condão” (a que ela chama “ar condicionado portátil”) quando estou com calor. Uma delas, garanto-vos, tem mesmo mãos de fada e poderosas habilidades na cozinha, de tal maneira que no almoço houve quem perguntasse pelas empadas “mágicas”. Cativam pela sua genuinidade…
A última dupla, perdoem se puxo a brasa à minha sardinha, é a mais adorável, a dupla que trabalhou na sombra (com a preciosa ajuda de um elemento que vive comigo) para que o meu aniversário/Dia da Mãe fosse inesquecível (R. e A.). Parece que já esgotei as duplas mais famosas com os outros familiares e amigos, ups… Bem, já que demonstraram ser bons agentes secretos, poderia associá-los aos célebres Agentes 86 e 99. Cresci a rir-me com eles e quem não se lembra  de Maxwell Smart e da sua colega, a Agente 99? Claro que a única semelhança que encontro entre o Maxwell e o R. é o jeito para falar ao telefone e consigo imaginá-lo a conspirar este almoço num sapato telefone igual ao do Agente 86 e ela com cara de frete por ele não atinar com o equipamento ultra-secreto… Outra dupla que poderia encaixar-se seria Aladdin e Jasmine. Porquê? Ele não é um ladrão e ela não é uma princesa (ok, é uma das minhas princesas…), mas conheceram-se no mercado, actualmente Olx, e acreditem que ele é capaz de inventar tudo para vender a sua mercadoria. Até sou capaz de o imaginar de turbante na cabeça a tentar convencer-vos que tem uma lâmpada mágica feita de peças Lego e que funciona! Ela não lhe comprou nada, mas achou-o divertido, inteligente e astuto e lá começaram a sair no “tapete voador”, um “tapete” antigo, mas ainda com capacidade para voar (espero que isto não seja lido por nenhum agente de trânsito…). Essencialmente, são duas peças Lego que encaixam na perfeição…
Na mesma linha, segue-se o elemento que vive comigo e que prestou serviços secretos à dupla anterior, a minha querida Lola Bunny (R.). Porquê a Lola Bunny? Nasceu em 1996, é simplesmente adorável e tem estilo. Não é dada ao desporto nem tem olhos azuis, mas eu diria, embora seja suspeita, que ela, tal como Lola, é atraente, engraçada e consegue ter alguns momentos de loucura. A Lola é apaixonada pelo Bugs Bunny, que é inteligente, decidido, sarcástico, provocador e algo irritante. Aguardo para conhecer pessoalmente o “Pernalonga”… 
Não posso deixar de agradecer a comparência do Muttley (o meu ex). Porquê o Muttley? Porque é um personagem das Corridas Loucas e adorava imitar a risadinha sarcástica dele… Como gosta de “voar baixinho”, também poderia relacioná-lo com o Speedy Gonzalez…   
Last, but not least, o Superman (M.). E porquê? Porque é dotado de qualidades e tem pulso para dirigir, sendo, certamente, no futuro, um líder. Embora não esconda a sua verdadeira identidade, esconde muito bem e persistentemente a identidade da sua Lois Lane… Aguardo pacientemente que a torne pública…    
Que me desculpem os filhos das outras duplas, mas não vou retratá-los. Merecem, mas o texto ficaria muito longo e eu já não consigo fantasiar mais.

Para finalizar, o meu eterno agradecimento por todas as prendas e flores, destacando o presente que me deixou perturbada emocionalmente, um livro com uma compilação dos meus textos “Memórias e Afectos”, publicados no blogue, com uma capa e contracapa magníficas.

A minha gratidão a todos os presentes e ausentes (por ser Dia da Mãe ou notícias dolorosas) que contribuíram monetariamente para que a ideia genial das “minhas ricas filhas” chegasse às minhas mãos.
De todos, continuo a querer amizade incondicional e felizes recordações e sei que estes meus desejos serão satisfeitos. Porquê? Porque, reproduzindo uma letra de Bruce Hornsby, that’s just the way it is, some things will never change… 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Sugam-me a vida

Sinto-me, cada vez mais, uma “pastilha elástica”.O dia-a-dia e a sociedade vão-me mastigando até que fique sem sabor, depois irão cuspir-me, deitar-me fora quando não tiver mais préstimo...
Conforme os anos passam, apercebo-me que os melhores anos da minha vida se afastam cada vez mais do presente e não consigo vislumbrar um futuro, muito menos um futuro risonho...
Sugam-me a vida e a esperança. Bem me agarro a essa vida e a essa esperança, mas a amargura cola-se-me à pele,  não há como fugir às sanguessugas...
No “tempo da outra senhora” só os filhos das famílias com posses tinham oportunidade de estudar, particularmente os que viviam nas grandes cidades. Sinto que caminhamos para o mesmo… sem ter em conta se vivemos na cidade ou no campo.
Todas as pessoas são iguais e têm direito a oportunidades iguais, mas no mundo as coisas não funcionam assim. Todas as pessoas devem ter as mesmas oportunidades independentemente do sexo, da raça, da língua, da religião, das convicções políticas ou ideológicas, da orientação sexual, etc., mas a verdade é que a situação financeira é um elemento que traz desigualdades bem visíveis. As famílias com melhores condições financeiras podem oferecer aos filhos benefícios, actividades e alguns bens e auxiliares educativos que eu não posso. Assim, o sucesso não depende apenas das faculdades intelectuais, mas das oportunidades, sejam elas educativas ou não. As oportunidades são condicionadas pelo estatuto económico e este limita o desenvolvimento cultural das pessoas.
Sugam-me a vida e a esperança. A esperança de progresso, de facultar às minhas filhas uma vida mais despreocupada, de lhes dar a possibilidade de se aperfeiçoarem e se prepararem melhor para um mundo cada vez mais exigente, enfim, garantir-lhes o que os meus pais me proporcionaram. Claro que os meus pais, com a minha idade, tinham uma vida estável, como era natural que acontecesse quando entrávamos numa fase da nossa vida. Esse princípio, lamentavelmente, já não pode aplicar-se. Actualmente, na altura da vida em que precisamos de tranquilidade e de um certo desafogo financeiro, não há certezas nem esperanças…
Não me sinto discriminada pela profissão, sexo (não escondo o rosto atrás de uma burca) ou cultura. As minhas oportunidades não são condicionadas pela região onde vivo, a minha orientação sexual, as convicções ideológicas ou pela (des) crença, estão sim sujeitas à minha situação financeira, condenada a agravar-se sem que haja expectativas à vista, uma tempestade que tenho de atravessar sem bonança no horizonte…
Se a inserção está ligada a todas as pessoas que não têm as mesmas oportunidades dentro da sociedade, então, cada vez serão mais os excluídos socialmente…
O Ministério da Igualdade teve uma existência curta, foi criado e extinto há uns anos, quase sem darmos por ele, talvez porque a igualdade, que se apregoa como um direito, é quimérica e não é sustentável…
Sugam-me a vida e a esperança, mastigam-me até ficar sem sabor, trituram-me, reduzem-me a nada, arrastam-me numa tormenta que não criei…

sábado, 31 de agosto de 2013

Compromissos de Férias

O título deste post dá a ideia de que me obriguei a fazer determinadas tarefas durante as férias, mas não é disso que se trata, principalmente porque as palavras férias e tarefas são, a meu ver, antagónicas. Estas duas palavras juntas não jogam, e eu não consigo associá-las sem ter um ataque de brotoeja…
Na verdade, os compromissos a que me refiro são agradáveis e relaxantes actividades que me dão um enorme prazer.
Já é do conhecimento de todos os que me visitam com alguma regularidade que sou membro do Postcrossing e existem duas razões óbvias e de peso que me levaram a fazer parte dessa comunidade, receber e enviar postais. É claro como água, embora o Postcrossing, ao contrário da água, nada tenha de incolor e insípido.
O conteúdo da minha caixa do correio, sensaborão e previsível, passou a ser uma caixinha de surpresas coloridas. É evidente que as contas para pagar, os extractos bancários e a publicidade não desapareceram, mas a verdade é que os postais vieram dar vida a uma caixa do correio agonizante e tristonha.
Recordo, com saudade, a satisfação que dantes sentia ao receber postais ilustrados no meu aniversário, na época natalícia e nas férias. Era uma sensação única… Passei a receber SMS e emails, mas essas mensagens não têm o fascínio de uma missiva manuscrita. Por cá, com a agitação que nos consome no dia-a-dia e a rendição sem luta às novas tecnologias da comunicação, fomos perdendo o hábito de enviar postais. Dado que julgo isto lamentável, e me agrada muito esta salutar correspondência, porque não recuperar a tradição e o tempo perdido?
Pois foi assim que, nestas férias, retomei o delicioso ritual e os postais ilustrados voltaram à vida, renascendo das cinzas qual fénix. Sem necessidade de eloquência, sem preocupações com a caligrafia, somente pelo prazer de escrever, mesmo que sejam apenas banalidades próprias das férias ou notícias meteorológicas e sazonais, troquei postais com família e amigos. E vocês, dependentes do rato e do teclado, há quanto tempo não escrevem um postal?
Infelizmente, não tenho fotografia dos postais que enviei, mas aqui fica uma dos postais que recebi. Magníficos…

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O outro compromisso a que me dediquei deleitosamente foi à leitura e, nestas férias, regressei aos livros juvenis da minha adolescência, mais precisamente a livros de Enid Blyton. Reli e, apesar de os ver com outros olhos, de já não sentir o entusiasmo e a emoção de tempos idos, não me desiludiram. Por muito que o mundo gire e o tempo passe, Enid Blyton fará sempre parte de uma parte da minha vida, particularmente das minhas saudosas férias grandes.

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Logo, pareceu-me apropriado relê-la no meu maior período de descanso. Sem sair da espreguiçadeira ou da toalha de praia, mesmo já não sendo criança, parti à aventura na ilha, partilhei o mistério de Rockingdown, viajei até à montanha secreta, passei momentos mágicos na casa da árvore oca, desembarquei na ilha Kirrin e convivi diariamente com a família da casa da esquina… Valeu a pena…

domingo, 11 de agosto de 2013

Uma Mulher, uma Obra

Enid Blyton nasceu a 11 de Agosto de 1897.

A minha infância e juventude não teriam sido as mesmas sem Os Cinco, os Sete, a Colecção Mistério, a Colecção Aventura, a Colecção Secreta, o Colégio das 4 Torres, As Gémeas, and so on… A minha juventude teria sido muito mais monótona sem Enid Blyton.
Tanto quanto me lembro, a partir de meados dos anos 60 até ao início da década de 70, quando já tinha lido os livros publicados de Blyton de uma ponta a outra, e enquanto esperava pela publicação de mais um, eu lia tudo o que apanhava à mão. Entre as estantes do meu pai e as do meu irmão Z., a oferta era grande e foi durante essa época da minha vida que li alguns clássicos da literatura portuguesa, Júlio Verne e alguns policiais. Alturas houve em que, armada em pseudo-intelectual, lia obras mais complexas como A Matilha (julgo que é de Alexei Tolstoi), Otelo de Shakespeare ou O Leque de Lady Windermere de Oscar Wilde, mas confesso que a minha aspiração a intelectual se revelou muito árdua e abandonei rapidamente as pretensões…
Enid Blyton foi, durante esse período, a minha autora de culto! Na época em que o tempo passava devagar e os Verões eram intermináveis, os livros de Blyton foram a minha bíblia…


28082013611

Se Enid Blyton vivesse ainda hoje, decerto teria vários dos seus habituais ataques de fúria ao olhar para o que fizeram dos seus livros.
A brigada do politicamente correto não desiste e pretende dar às personagens de obras escritas nos anos 40 e 50 atitudes e tomadas de posição do século XXI. E transformar a sua fala numa linguagem assética que não ofenda nenhum leitor mais suscetível.
Em 1999, a Chorion encarregou-se de fazer o serviço, emendando várias personagens dos seus livros, num furor que chega a raiar o ridículo. É preciso expurgar os livros – diziam. Era habitual, nos livros dos Cinco, encontrarmos a exclamação “a Zé estava mais preta que um preto coberto de fuligem!”. Nas novas edições, “a Zé está negra de fuligem”.
Na Aventura na Ilha, o vilão negro chamado Jo transforma-se num normalíssimo branco chamado Joe.
A Bessie, dos Sete, passa a Beth, porque Bessie é um nome com eventuais reminiscências da cultura negra (como se as crianças dessem por isso…).
As relações homem/mulher são também alteradas. A tia Clara nunca mais poderá dizer “o vosso tio quer”, mas sim “nós queremos”. […] A pobre da Ana viu-se privada das bonecas, porque também nos brinquedos devia reinar a igualdade.
[…] E também a educação dos nossos dias deverá substituir a educação que, nos anos 30 e 40, as personagens tinham: nada de expressões como “olha que levas uma tareia!” (mudada para “zango-me contigo!”);nem o Júlio poderá alguma vez incitar a Zé a “dar uma bofetada, um pontapé ou arrancar as orelhas ao Edgar”.
[…] Também ao nível da linguagem e dos nomes das personagens as mudanças são muitas, todas elas na base do “estão fora de moda”. […] Para evitar conotações sexuais, baniram-se do texto expressões como “so queer” (substituído por “so weird”, ou até “a gay morning” (substituído por “a bright morning”).
[…] É evidente que as crianças não se sentem agredidas pela escrita de Enid Blyton, nem percebem as acusações que lhe fazem – a não ser quando lhes chamam a atenção para elas.
[…] Com algum sentido de humor, o Mail Online de abril de 2012 publica um texto sobre o assunto, rematando: certamente toda a obra de Blyton vai ter de ser reescrita, para apaziguar o pensamento de uma minoria politicamente correta que acha que as crianças não são capazes de dar um salto imaginativo para o passado.
[…] Será lícito mudar um clássico? Porque, quer se queira quer não, Enid Blyton é um clássico.

É verdade que as crianças de hoje não se revêem nos livros de Blyton. A maioria das crianças de hoje não brinca na rua, não faz passeios de bicicleta, nunca fez um piquenique, não tem que aguardar, impaciente, a hora dos desenhos animados na televisão. Enquanto as minhas lembranças de infância estão presas a estes prazeres tão rudimentares, as lembranças de infância das crianças de hoje passarão, certamente, pelos computadores, pela internet e pelos jogos eletrónicos. Sei que o mundo tecnológico mudou completamente a vida das pessoas, principalmente a vida das crianças, que o mundo “pula e avança”, que os cenários não são mais os mesmos, que o tempo passa e nós crescemos, mas…
Considero uma monstruosidade o que fizeram com os livros de Blyton, uma estupidez sem fim! Na minha modesta, mas inabalável opinião, adulterar a obra de Enid Blyton é uma heresia, é um crime de lesa-majestade, é CENSURA! O presente transforma-se sempre em passado e, daqui a 40 ou 50 anos, o que agora está na moda e é politicamente correcto cairá em desuso, passará a démodé e, nessa altura, os iluminados da época, irão emendar novamente os livros? Ridículo!
Bem, provavelmente, os livros de Blyton são uma coisa para velhos, como eu e outros da minha geração, e os seus mais de 700 livros foram a forma que ela encontrou de parar o tempo, tempo que ficará para sempre na minha memória, muito bem guardado, assim como o cheiro dos pinheiros, no tempo em que eu fazia piqueniques…


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Não se compreende que a escritora inglesa que mais livros publicou, influenciando gerações e gerações de leitores em todo o mundo, não tenha um museu a guardar-lhe a memória. Nem escolas, nem bibliotecas, nem sequer uma rua com o seu nome. É miserável…
Podem continuar a assegurar que ela era manipuladora, fria, cruel, xenófoba, racista, sexista e mãe ausente. Em matéria literária isso não importa nada e eu, francamente, estou a lixar-me para a minoria politicamente correcta que anda a desvirtuar a obra. Para eles, todo o meu desprezo!
No meu tempo, era quase impossível ser criança sem ler Enid Blyton e garanto-vos que os dias eram muito mais tranquilos e gostosos…
A Enid Blyton, todo o meu apreço e gratidão.


domingo, 30 de junho de 2013

Humano, demasiado humano

Uma coisa é a natureza humana, outra a condição humana.
Quando penso nas centenas de indigentes que se multiplicam pelas ruas, as imagens que me assaltam são, invariavelmente, de miséria, carência, solidão, incúria, angústia, isto é, uma total inexistência de factores determinantes para que haja um equilíbrio físico e psíquico indispensável à dignidade humana.
Dizer que os sem-abrigo são toxicodependentes é um cliché e, talvez, em tempos, essa afirmação pudesse ter fundamento, mas, presentemente, esta cicatriz social é fruto das contingências da vida e tem, lamentavelmente, vindo a aumentar. Sinais dos tempos…
Cruzo-me, quase diariamente, com dois homens que, creio, não têm tecto, mas uma vontade serena de não perderem a dignidade.
Um deles, sempre por perto dos seus parcos haveres, tenta vender pensos, cotonetes e algodão, e tive oportunidade de presenciar o seu desconforto quando alguém lhe dá uma moeda sem querer levar algo em troca. Percebi que se sente ofendido com essas atitudes porque, na verdade, não anda a pedir esmola. Passo por ele de manhã cedo e é frequente vê-lo a lavar os dentes e até a fazer a barba. Numa manhã fria de Inverno, vi-o a fazer a barba sentado no chão aproveitando uma nesga de sol que aparecia entre os prédios. Este homem vive na rua, não sei se por opção ou se por força das circunstâncias, mas não perdeu o respeito por si próprio, procede de uma forma digna e tem atitudes que considero nobres…
O outro, mais velho, está longe de se preocupar com a higiene pessoal, usa barbas e vejo-o habitualmente de calções, parecendo insensível ao frio naqueles dias em que eu, encasacada e de calças, me sinto enregelada. Admiro-o, não por andar de calções no tempo frio, embora isso seja digno de nota, mas sim porque, instruído ou não, é um apaixonado pela leitura. Tal como o primeiro, é um solitário, mas faz-se sempre acompanhar por um livro desgastado pelo tempo, embora nunca seja o mesmo. Não faço a mais pálida ideia onde os arranja, sei apenas que este homem me inspira respeito porque se interessa em alimentar a mente e a imaginação, não esquecendo como é importante a leitura na vida do ser humano…
Dizia Nietzsche que aquele que não reserva, pelo menos, ¾ do dia para si é um escravo. Os gregos antigos afirmavam que o escravo ao ocupar a maior parte de seu tempo em tarefas que visam somente à sobrevivência de si e de outros, é destituído do conceito de homem. Dentro desta lógica, questiono-me sobre a dignidade humana e a liberdade, e dou por mim a pensar se estes dois homens não serão seres mais racionais e livres do que eu...

sábado, 13 de abril de 2013

Sejamos pragmáticos

Sherlock Holmes revelou-se surpreendido quando Watson lhe disse que a Terra girava em torno do Sol. Watson ficou atónito, mas mais perplexo ficou quando Holmes respondeu que “Agora que sei disso, tratarei de esquecê-lo o mais depressa possível. Considero o cérebro de um homem como sendo inicialmente um sótão vazio, que deve ser mobiliado conforme tenha resolvido. Um tolo atulha-o com trastes que vai encontrando à mão, de maneira que os conhecimentos de alguma utilidade para ele ficam soterrados, ou, na melhor das hipóteses, tão escondidos entre as demais coisas que lhe é difícil alcançá-los. Um trabalhador especializado, pelo contrário, é muito cuidadoso com o que leva para o sótão da sua cabeça. Não quererá mais nada além dos que são realmente importantes; destes é que possui uma larga provisão, e todos na mais perfeita ordem. É um erro pensar que o dito sótão tem paredes elásticas e pode ser distendido à vontade. Segundo as suas dimensões, há sempre um momento em que para cada nova entrada de conhecimento, teremos que esquecer qualquer coisa que sabíamos antes. Consequentemente, é da maior importância não ter factos inúteis ocupando o espaço dos úteis.”
Watson protesta, mas Holmes, impaciente, responde-lhe que “Você diz que giramos em torno do Sol. Se girássemos em volta da Lua, isso não faria a menor diferença para o meu trabalho…”

terça-feira, 19 de março de 2013

Ternas lembranças II

Neste dia dedicado aos Pais, revelo o meu contributo para o segundo encontro familiar mensal (23/02/2013) de homenagem ao meu falecido pai, no ano em que comemoramos o seu centésimo aniversário.

Neste nosso segundo encontro familiar de tributo pos mortem ao meu pai, no ano do seu centésimo aniversário, abordo uma questão penosa, as suas imperfeições. Peguei neste tema porque foi motivo de diálogo no nosso primeiro encontro em Janeiro e não quis deixar passar a oportunidade de, generalizando, ajuizar as suas falhas.
Certamente, a minha já pouca ingenuidade não me permite olhar para o meu falecido pai como um poço de virtudes, um herói sem mácula, um ser perfeito, um marido exemplar, um pai irrepreensível. Sei que o meu pai terá errado ao longo da sua duradoura vida, mas quem nunca errou que atire a primeira pedra. Evidentemente que “santificá-lo” depois do seu falecimento seria tarefa pouco árdua. A morte tem o dom de nos tornar pessoas de bem. Por algum processo congénito ou químico, que desconheço, acontece, com frequência, a morte transformar pessoas intragáveis e hediondas em excelentes pessoas. Não é o caso.
O balanço que faço em relação aos defeitos e às virtudes do meu pai é positivo, com o prato da balança a pender para os princípios morais.
Tomo como exemplo a história de dois vasos, cada um deles suspenso nas extremidades de uma vara. Um deles era perfeito, o outro era rachado. O vaso perfeito chegava a casa sempre cheio de água. O vaso rachado chegava quase sempre vazio, mas graças a esse defeito cresciam belas flores na beira do caminho por onde passava diariamente…
O meu pai não foi um “vaso” perfeito, naturalmente tinha os seus defeitos, mais acentuados na meia-idade e mais esbatidos na velhice, ou será que foi ao contrário e eu já não me recordo?
O meu pai não foi um “vaso” perfeito, mas as suas imperfeições também contribuíram para o meu crescimento, comportamento e amadurecimento como ser humano. O meu pai não foi um “vaso” perfeito, mas foi ele que me incentivou a pensar, que me apontou o caminho da honestidade, que me encorajou sempre a assumir os meus erros, que me deu os melhores conselhos, enfim, que me ensinou a ser quem sou…
O meu pai não foi um “vaso” perfeito, o meu pai foi um “vaso” quebrado e imperfeito que ao longo da vida me foi nutrindo o carácter através de alicerces morais e cívicos com que até hoje pauto a minha vida.
O meu pai foi um “vaso” imperfeito, mas os seus defeitos nunca foram, nem serão, razão suficiente para fazer com que ele deixasse de ser, aos meus olhos, o melhor pai do mundo...

Ternas lembranças I

Neste dia dedicado aos Pais, faço questão de divulgar dois textos, escritos pelas duas netas mais velhas, pela ocasião do segundo encontro familiar mensal (23/02/2013) de homenagem ao meu falecido pai, no ano em que comemoramos o seu centésimo aniversário.

Texto I

Quando o avô era só meu

Talvez consiga recuar na memória.

Talvez, como exercício a que me proponho, consiga ir ao encontro das memórias mais antigas e reconstruir a minha história onde entra o avô. Isto porque a história será sempre a minha, não a dele.

O que me surge não são narrativas, são apenas imagens ou quadros soltos. Posso deixar as narrativas para outro dia e concentrar-me nestes quadros, tentando-os descrever. Ainda assim serão sempre os meus quadros, fruto da minha memória. Ou imaginação.

Quadro I - a Escrita

O avô sentado à mesa da Sala de Jantar, a mesma mesa e a mesma sala dos dias de hoje. O avô, de casaco e gravata, um livro grande de capa dura e muitas linhas esquisitas que ele preenchia com números perfeitos. A caneta do avô era pesada e eu gostava de lhe pegar, tão diferente era das minhas, e de lhe sentir a textura. Não me lembro de a ter usado. Mais tarde, quando estava na 4ª classe, o pai ofereceu-me uma caneta que se assemelhava um pouco a esta. Ainda a tenho.

O avô curvava-se sobre o livro, à noite, a luz do candeeiro acesa, e ele escrevia números perfeitos.

Quadro II - a Fruta

O avô sentado, novamente a mesma mesa e a mesma sala.

O avô sentado no lugar que eu me lembro sempre dele. A fruta no fim da refeição.

Laranjas:

O avô não come as laranjas como os outros adultos que eu conheço. Ele corta uma tampa da laranja, amassa o interior com uma colher e junta-lhe açúcar, muito açúcar. Mais açúcar do que seria permitido a uma criança. O açúcar está dentro de uma caixa de plástico da «Tupperware». Toda esta operação é acompanhada da descrição verbal da mesma: o avô ensina-me a melhor maneira de comer uma laranja.

Eu, ao seu lado esquerdo, olho com grande espanto para a manobra, reverencialmente. Ter-me-á ocorrido que esta sim é uma maneira verdadeiramente especial de comer uma laranja, reservada apenas a adultos. Especiais.

Uvas:

O avô come uvas pretas como se não houvesse amanhã. Estas estão dentro de água e ele tira-as para o seu prato e vai comendo. As uvas pequeninas são separadas e são-me oferecidas. Uvas pequeninas, era especial. Eu sentia-me especial.

Estas memórias à mesa são nocturnas. Julgo que fazem parte de episódios que aconteciam nas temporadas esporádicas que eu passava na casa dos avós, quando a avó Olívia ia para Leiria. Acontecia todos os anos.

Quadro III - mãos dadas

A ir ou a regressar do Clube. Fazer o percurso em cima dos muretes e tentar saltar entre eles com a ajuda de uma ida ao colo. Talvez isto tivesse lugar aos fins-de-semana. Era de dia.

Quadro IV - Nadia Comaneci

A minha heroína dos Jogos Olímpicos do Verão de 1976.

Eu a cabriolar, saltar nos sofás e subir pelas ombreiras das portas. O avô a chamar-me Nadia Comaneci, um verdadeiro adjectivo elogioso.

Estes quadros pertencem todos a uma fase anterior à minha ida para o Rainha Santa. É o mais longe que consigo ir nas minhas memórias do avô. Foi um bom esforço tentar recordar. Compensador.


Texto II

O que mais recordo são as mãos e o sorriso. As mãos, grandes, secas e frescas, que envolviam as minhas de vez em quando e assim ficavam durante algum tempo. O sorriso, terno como só o de um avô pode ser, brindava-me muitas vezes, mesmo quando o Inverno da vida teimou em chegar. Mas como sempre, a seguir ao Inverno vem a Primavera, seja lá o que for que isso signifique.
Relembro também as noites em que dormi em casa dos avós, muito bem aconchegada no sofá grande. Adormecia com o som da televisão (mesmo estando o avô com os seus auscultadores, ouvia-se na mesma) e com o crack crack proveniente das bolachas ou tostas, acompanhadas pelo leite, que o avô comia, sentado no seu sofá. E de vez em quando lá me atirava um sorriso, por entre dentadas. E assim eu caía lentamente no sono. Um sono acolhedor como nenhum outro, como só era possível ali.
Era bom chegar a casa deles para almoçar, num dia de aulas, e dar com o avô sentado à mesa, a ler o jornal. Quando não estava sentado à mesa, eu ia sentar-me no sofá um bocadinho, acendia a televisão e esperava que ele aparecesse. E lá chegava ele. Entrava na sala, via-me e dizia “Hoje estás cá, Teresinha?”, e vinha dar-me um beijinho na testa. Nessa altura, era o único, deste lado da família, que me tratava por Teresa. Não gosto muito, mas já me habituei e não me faz diferença. Contudo, quando era dito por ele, tinha um som diferente. E eu gostava daquela sonoridade harmoniosa só dele.
Apesar de conversarmos, ainda que com alguma dificuldade, era uma comunicação que se baseava muito na troca de olhares e de sorrisos. Porque há momentos intemporais em que nada há para dizer, e apenas partilhamos a companhia com aqueles de quem mais gostamos. E é nesta convivência calada que por vezes os laços se tornam mais fortes, porque às vezes as palavras estão a mais e não deixam que aproveitemos aqueles instantes raros que pendem da vida como as gotas da chuva de um beiral. É essa a magia da vida, que poucos, muito poucos, conseguem transmitir. Era esse encanto que sentia quando estava perto dele, mas que só agora sei o que era. E ao contrário daquilo a que correntemente chamamos magia, aquela nada tinha de ilusório. Era real como nenhuma outra coisa e, tal como as melhores coisas da vida, não se via, sentia-se apenas. Aquecia o coração.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Antes do fim…

Há três anos era domingo. Um dia frio, muito frio, tanto frio…
Um dia frio e inconciliavelmente chuvoso.
As palavras, guardadas nos confins da minha tristeza, corriam-me no sangue e propagavam-se a todo o meu ser sem que eu conseguisse proferi-las. Talvez porque o sofrimento e a culpa se enredaram na garganta embargando-me a palavra…
Um domingo frio, muito frio. Foi neste dia que o meu pai, um velhinho fraco e amedrontado, entrou no lar. Porquê naquele dia? Porquê tão perto do Natal? Porque tivemos que fazer escolhas? Porque tivemos que decidir em tão pouco tempo? Porque condescendi? Porquê nas vésperas de Natal? Porquê naquele dia? As respostas a estas questões são seguras e inalteráveis, mas nunca me consolam.
Deixei-o já deitado no quarto, felizmente aquecido. Prometi voltar brevemente. Tentei capacitar-me de que tínhamos tomado a decisão correcta. Até hoje não estou certa disso… Foi a última vez que o vi com vida. Um dia frio, muito frio, um frio que me aprisionou a esse domingo e à promessa que não cheguei a cumprir. Há três anos…
Saímos do lar num profundo silêncio, destroçada por deixá-lo com desconhecidos. O frio abraçou-me e as lágrimas confundiram-se com a chuva…

domingo, 9 de setembro de 2012

As palavras que nunca te direi…

A minha mãe fez hoje 92 anos. O meu pai faria 99. Mais um aniversário só com um aniversariante…
Paizinho, há quase três anos que partiste. As lágrimas foram secando, mas continuo a chorar por dentro e a culpabilizar-me por não ter estado presente na tua partida, por não te ter visto mais uma vez, por não ter dito que te amava incondicionalmente, porque é tarde demais para alterar o que fiz de errado, porque é tarde demais para te abraçar e dizer as palavras que nunca te direi…
Quando o futuro é incerto, mas a certeza de momentos difíceis se avizinha, faz-me falta a tua imagem de velhinho prudente, as tuas palavras sábias, a tua voz serena, a mansidão das conversas, porque todos os meus medos adormeceriam contigo por perto. É legítimo dizer que me sinto órfã, que me sinto desprotegida? É infantil dizê-lo? Di-lo-ei na mesma porque a saudade e a dor confundem-se, atormentam-me, e eu acabo por sucumbir nesta luta de sentimentos da qual me tornei dependente.
Neste dia, a R., minha sobrinha, mimoseou-me com uma ideia sublime, enternecedora e cheia de significado. O ano de 2013, em que recordaremos o centenário do meu pai, será um ano de tertúlia, uma reunião familiar mensal em que partilharemos histórias e visões diferentes, visto que cada um de nós o conheceu em etapas distintas da sua longa vida. Será comovente e as lágrimas, seguramente, bailarão nos olhos, mas será, igualmente, compensador saber que viverá para sempre nas nossas memórias e poderei relembrá-lo com palavras que nunca lhe direi…

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Desencontros e encontros

Nunca soube se determinados acontecimentos ocorrem nas nossas vidas por simples casualidade ou se acontecem deliberadamente, se são consequência do acaso ou se estavam predestinados, se há ou não alguma Entidade, seja ela um Deus omnipotente, um Universo em constante transformação, uma Inteligência superior, a Mãe Natureza ou um qualquer Espírito Mágico que rege a nossa existência. Nunca soube e, seriamente, não é coisa que me afecte nem me tire o sono (até hoje, conto pelos dedos de uma única mão as noites em que sofri de insónias), embora sejam várias as divagações que faço desta matéria…
Como não posso dizer que a minha saída do Facebook tenha sido um acontecimento (bem, foi um bocadinho… e continuo radiante!) nem que foi guiada por algum ente, não sei a quem devo agradecer o encontro que tive, uma semana depois.
Procurei com perseverança através do Facebook, e até esgotar os recursos, uma colega e amiga de infância que vivia, nos idos anos 60, a uns escassos 250 metros da minha casa. Fiz todos os esforços que estavam ao meu alcance para a encontrar, mas não fui bem-sucedida. Um dia encontrei a mãe, mas a senhora pareceu-me um pouco taralhouca e acabei por suspender as minhas diligências. Parecia que se tinha ausentado para sempre, levado um descaminho tal que se teria esfumado da face da Terra. Encontrá-la era mais do que uma caturrice, era uma enorme vontade de a abraçar e relembrar o nosso passado partilhado.
Frequento esporadicamente uma pastelaria que fica equidistante das nossas antigas habitações. Não por saudosismo, porque o estabelecimento é muito mais recente do que a nossa antiga camaradagem, mas porque, além de ter um café que me agrada, tem área de fumadores, multibanco e um espaço reservado à venda de jornais e revistas. Foi numa dessas casuais passagens que encarei com a mãe numa cadeira de rodas, visivelmente privada das funções cerebrais, e com a filha, a minha amiga de infância, sentada ao lado dela. Deram-me dois baques!... Um, por ver a senhora num tão avançado estado de decadência, o outro, porque ali estava ela… com mais quarenta e tal anos…mais uns quilos… mas os mesmos traços, a mesma fisionomia da menina de outros tempos…
Reconhecemo-nos, e com um sorriso aberto murmurámos os nossos nomes. Depois, ficámos ali a reviver traquinices e patetices que pertencem a uma outra época, a outras vidas… Insisto em voltar ao passado e, agora, é difícil recordá-la como era, só me vem à ideia como está… Esta coisa da idade é terrível! Às vezes penso que deveria ser proibido reencontrar alguns amigos, colegas e namorados da nossa meninice e adolescência. Só arruinamos as memórias que temos deles… Os magros passam a gordos, a barriga, outrora lisa, predomina num corpo adiposo ou flácido, as cabeleiras fartas e sedosas dão lugar a carecas, as cores atenuam-se numa preponderância de brancos, as barbas e os bigodes seguem o mesmo caminho, os pelos rareiam, mas teimam em não deixar o buço, os “pés de galinha” espreitam sem pudor, os divertidos ficam rabugentos, os simpáticos viram uma seca descomunal, o sonho passa a pesadelo…
Apesar destas minhas divagações, a verdade é que sou uma incurável nostálgica e é sempre compensador tornar a ver gente que fez parte da nossa vida, noutros tempos…
Como eu disse aqui, se for vontade do acaso encontrá-los-ei por aqui ou por aí

sábado, 9 de junho de 2012

Deixei de pertencer ao “rebanho”

Pedi para eliminar permanentemente a conta do Facebook. A conta foi desactivada do site e será permanentemente eliminada dentro de alguns dias. Deixei de estar na moda, deixei de pertencer ao “rebanho”, deixei de existir… estou fora!
Quando me registei no fenómeno do Facebook, há mais de um ano, pensei ser uma forma de encontrar amigos de quem há muito tempo não sabia o paradeiro. No entanto, os meses foram passando e só lá ia esporadicamente, algumas vezes, confesso, quase por imposição… Apesar de ter encontrado algumas colegas da instrução primária e do liceu, nunca lhes enviei uma mensagem nem sequer lhes pedi amizade. Porquê? Apercebi-me que exibicionismo, voyeurismo e mexericos, decididamente, não fazem parte do meu mundo, que a minha vida não gira em torno do Facebook, que passo muito bem sem os “gostos”, os toques e os feedbacks imediatos, que a maioria das coisas que por lá se passam são simplesmente desnecessárias ou desinteressantes, que não quero que me desejem uma boa viagem para a Cochinchina, que não quero que comentem a minha viagem à Cochinchina, que não gosto que me dêem os parabéns através de uma rede social, que não quero estar na moda, que não me interessa mostrar que sou culta, que não quero pertencer à “gente gira, fresca e leve”, enfim, que não quero fazer parte da carneirada… Minutos antes de pedir a eliminação permanente da conta fiz três perguntas a mim própria: “Sendo o Facebook uma forma de encontrar velhos conhecidos, por que razão só eu ansiava pelo reencontro? Por que razões não me tentaram encontrar? Será que eu iria gostar de reencontrar essas pessoas que fizeram parte da minha infância e da minha adolescência? As respostas que dei a mim mesma foram esclarecedoras. Se for vontade do acaso encontrá-los-ei por aqui ou por aí, como já aconteceu. Os outros, os meus verdadeiros amigos, sabem onde moro e têm o meu número de telefone…
Deixei de pertencer ao “rebanho”, sou uma ovelha negra, mas sempre ouvi dizer que uma ovelha negra não estraga o rebanho.

ovelha negra
Deixei de pertencer ao “rebanho” e estou radiante!

(imagem doada, via e-mail, pelo meu amigo JMC)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Memórias e Afectos (96)

Hoje é o meu aniversário. Neste dia chuvoso e taciturno fui contemplada com um presente único que, não só me fez extraordinariamente feliz, mas também teve o dom de transformar um dia cerrado num dia luminoso e lindo…
Recordar a minha infância é sempre compensador, mas estava longe de imaginar que o meu primo J. me fizesse esta enorme surpresa. Embora já tivéssemos conversado sobre a planta da saudosa casa do nosso avô R., apesar de o J. ter, inclusivamente, feito um esboço, julguei que o assunto tivesse caído no esquecimento, pois são tantos os afazeres que algumas coisas vão ficando para trás, geralmente aquelas que nos dão verdadeiro prazer.
Hoje é o meu aniversário. Hoje fui contemplada com um presente único. O meu primo enviou-me uma “obra-primo”, a planta de localização e a planta da casa do avô R., nas Caldas da Rainha, onde passámos uma parte da infância, as férias grandes, e onde nos sentimos afortunados por termos um avô fantástico…
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Vagueei pelas divisões com a mesma segurança de antigamente e passeei no quintal com a mesma vontade de subir à nogueira… Era no magnífico quintal que brincávamos despreocupados e os meus primos cortavam as caudas às lagartixas para as ver a abanar sozinhas, era no quintal que a madrinha dava de comer às galinhas e aos coelhos e o avô fazia girar a roda da bomba de água para, julgo eu, “alimentar” o depósito da casa (a minha mãe desmente, diz que era apenas para regar o quintal...). Era na marquise que dormitavam enroscados o T. e o R. e o avô engraxava os sapatos da família toda, era a porta de acesso ao sótão que me metia medo, era nos arrumos que o avô guardava a caçadeira (nesse tempo nenhum de nós se atrevia a mexer-lhe…). Era na sala que passávamos algumas tardes a jogar à berlinda, era no quarto dos avós que nos deitávamos à noite e pedíamos uma história…
Isto, na altura em que me chamavam “princesa”, o sorriso era fácil, não tinha inquietações, as lembranças eram curtas, os sonhos imensos, não sabia o que era saudade e o tempo passava devagar…
(Obrigada J. pelo delicioso presente…)

terça-feira, 17 de abril de 2012

A (minha) mania das grandezas…

Li um artigo de opinião de Eduardo Paz Ferreira, no Jornal de Negócios, glosando o tema Portugal e a Europa avançam qual "Titanic" para o naufrágio.
Avanço desde já dizendo que não vou debruçar-me sobre este assunto porque, além de não ter nada a acrescentar ao acertado texto, não tenho bagagem para dissertar sobre a matéria. Vou, portanto, apenas apreciar um pequeno excerto em que ele evoca a tragédia do unsinkable Titanic. Dizia Paz Ferreira “Aquilo que me inquieta e desafia é, de facto, a indagação sobre o que faz o fascínio do tema Titanic. Com o maior respeito pelas poucas mais de mil e quinhentas pessoas que faleceram no desastre, não consigo deixar de recordar – e em que quantidade, infelizmente – muitos outros acontecimentos bem mais trágicos e destruidores de vidas humanas, que não merecem a mesma atenção e, desde logo, o naufrágio do "Lusitânia", atingido por um submarino alemão três anos depois.
Provavelmente que a explicação, muitas vezes adiantada, de que o interesse é devido ao facto de o desastre corresponder a uma demonstração de, que sempre que o homem proclama a invencibilidade de um engenho seu, a natureza ou as divindades tratam de o reconduzir à sua verdadeira dimensão, tem alguma razão de ser.”
Quem tem a caturrice, coragem e pachorra de me ir lendo e passar por aqui (bem hajam, como diria o empregado da pastelaria Astro na Av. Guerra Junqueiro, em Lisboa…) está careca de saber que eu sou uma eterna apaixonada do transatlântico RMS Titanic, da White Star Line, e do RMS Lusitania, um navio da Cunard Line. Quem me conhece bem sabe que esta paixão tem algo de lunático e, porque não confessá-lo, de maníaco. Também atraído por estas questões, o meu amigo JMC dizia-me, há pouco tempo, que este interesse por naufrágios seria, claramente, objecto de estudo e análise por parte de Freud… (não confundam com um case study porque eu não sou uma ferramenta de marketing nem tão-pouco uma história de sucesso…).
Pegando na convincente teoria freudiana que comparou o psiquismo humano a um icebergue, e sabendo nós que a sua parte visível corresponde ao consciente e a parte submersa, que não se vê e é maior, ao inconsciente, cabendo-lhe um papel determinante no comportamento, deduzo que inconscientemente sou maluca...
Quando Eduardo Paz Ferreira confronta os dois trágicos naufrágios declarando que o desastre do Lusitania nunca mereceu a devida atenção, tem manifestamente razão, mas faltou-lhe mencionar que o dramático naufrágio do Titanic, o gigante dos mares, foi amplamente divulgado por ser um navio supostamente inafundável, naufragou na viagem inaugural sem ter chegado ao seu destino e tudo isto aconteceu em tempo de paz…
Por que razão não esquecemos o Titanic? Para o historiador e pesquisador inglês Tim Maltin“o Titanic é a tragédia perfeita: o homem tentou controlar o universo, mas viu que a sua grandeza não é total. Até a mais avançada tecnologia pode ser dobrada por um vasto universo que nunca entenderemos completamente.”
Cem anos depois, o fascínio mundial sobrevive…

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Carta de saudades…

A professora pediu aos alunos, numa aula de Português, para pensarem numa pessoa que eles admirassem e respeitassem e escrevessem uma carta a essa pessoa. A minha filha escolheu o avô, meu pai. A professora sensibilizou-se com a carta que tinha como destinatário o avô. A mim, não só me comoveu como me fez chorar…
Presenteio o meu avô paterno, no dia do seu aniversário natalício, 12 de Fevereiro, com o mar de palavras da minha filha, para que ele possa, esteja onde estiver, sentir orgulho pelo extraordinário e inesquecível ser humano que era o filho…

Querido avô

Pediram-me para pensar em alguém por quem sentisse uma grande admiração, uma pessoa que me fascinasse. Pensei, voltei a pensar e só te encontrei a ti. Não havia mais ninguém e não sabia bem o porquê, mas talvez fossem as saudades, não sei…
O passo seguinte era escrever uma carta a esse “alguém”, o que me levou a pensar, por instantes, que seria uma tarefa complicada, por já não estares aqui, por achar que já não estavas no meu mundo… mas enganei-me e agora aqui estou a escrever-te, a recordar-me de ti e de todos os momentos que passámos os dois. Recordo ainda tudo aquilo que contigo aprendi. Cresci a ver-te agir como uma pessoa sensata, dando valor às coisas realmente importantes da vida, deixando para trás tudo o que era desnecessário para se ser, dentro do possível, uma pessoa feliz. Ensinaste-me a lutar pelos meus objectivos, a dar sempre o meu máximo para atingir algo que quero, a não me deixar ficar a ver a vida passar-me à frente e eu sem nada fazer, a nunca desistir dos meus sonhos. Algo que espero cumprir, prometo!
Eras uma pessoa fantástica, fizeste-me crescer enquanto ser humano, tornaste-me alguém melhor e mais forte e, por isso, devo-te um obrigada. É tudo isto que me faz orgulhosa de ti e sentir saudade…saudade de ti, saudade do que eras, saudade do que sempre serás para mim.
Quero que saibas que foste uma das melhores pessoas que já conheci, que foste e serás sempre o melhor avô do mundo.Nunca te esquecerei, continuo a ter orgulho em ti, orgulho de ter crescido com uma pessoa tão especial como tu a meu lado.

Um forte abraço,

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Quanto mais velho, pior…

Envelhecer é uma palavra que me inquieta. Como é um assunto que me deprime, não me consome muito tempo, mas tenho a convicção férrea de que, tal como a minha mãe, não aceitarei bem a velhice. Nem sempre assim foi. Tempos houve em que mais um aniversário era sinónimo de vivência, de solidez, de primazia, mas os anos passam e constatamos que envelhecer, desculpem o termo, é uma grande merda… Aquela famosa frase “quanto mais velho, melhor” que define o Vinho do Porto, passou a servir também para nos definir quando chegamos a uma determinada idade, sendo alardeada por muitas pessoas. Como se rotularmo-nos de Vintage afastasse os anos, nos tornasse mais ágeis, suavizasse as rugas e avivasse a memória…
Não há como dar a volta à coisa, envelhecemos... Assistir, impotente, à decadência física dos nossos pais é doloroso, mas quando a falência física é acompanhada por uma falência cerebral, torna-se, inegavelmente, insuportável e penoso. O envelhecimento saudável resulta da conjugação de vários factores, como a saúde mental, a saúde física, a autonomia e a independência económica. Todos eles me assustam, isto é, a falta deles… Claro que há quem envelheça bem, ou melhor, menos mal, mas o tempo é implacável. Não me perturba o aparecimento de rugas nem tão-pouco os cabelos brancos, o que me inquieta é perder 50 000 neurónios por dia, a decadência física, a dependência, o declínio da capacidade cognitiva, a demência. Envelhecer é um verbo arrasador e com um sabor amargo…

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Galinha corada…

Um dos componentes masculinos do meu grupo de amizades (por casualidade, com quem tenho mais afinidade) emprega, por vezes, o vocábulo “galinhas” referindo-se aos elementos femininos, pertençam eles ao grupo ou não. Diz ele que as mulheres quando se juntam parecem galinhas, com mais ou menos penas, mas galinhas na capoeira. Esta forma de tratamento, que não é exclusividade nossa nem é recente, não passa de uma chacota, mas não é do contento de algumas mulheres. A mim não me afecta absolutamente nada! É uma imagem na qual não me revejo nem um bocadinho, e muito menos no depreciativo que, eventualmente, a palavra possa conter, por isso, faço por ignorar o gracejo ou entro na brincadeira. Não vou em grupo à casa de banho, não entro em histeria por dá cá aquela palha, não compro revistas de fofocas (embora a minha vizinha do lado teime em me alimentar a cusquice deixando no meu tapete as revistas que já leu…), não passo horas nas compras (não tenho dinheiro nem pachorra…), não cacarejo, quer dizer, não sou tagarela, e quando cavaqueio de algum assunto que me agrada, não fico alvoraçada ao ponto de “arrancar penas”…
Bom, mas afinal porque é que comparam as mulheres às galinhas? Até há pouco tempo as galinhas eram consideradas estúpidas, mas sabe-se, agora, que as galinhas são, afinal, animais muito inteligentes. Entendem conceitos intelectuais sofisticados, aprendem através da observação, são capazes de demonstrar auto-controlo, preocupam-se com o futuro, e os seus conhecimentos evoluem de geração para geração. As galinhas são curiosas e extremamente sociáveis, gostam de passar os dias umas com as outras, têm mais de trinta sons que usam para compor e transmitir mensagens e também comunicam visualmente. Quem passa muito tempo com galinhas, que vivam num ambiente natural, sabe que cada galinha tem uma personalidade diferente da outra, o que normalmente dita o seu lugar na hierarquia – algumas são mais medrosas, outras mais tímidas e observadoras e outras são um pouco mais agressivas. Cada galinha é um indivíduo diferente com uma personalidade diferente.
Surpreendidos? Pois, contrariamente ao que se pensa, comparar mulheres e galinhas é perfeitamente legítimo. Apesar disso, preferia ser comparada a uma andorinha, a um rouxinol ou até mesmo a uma gralha, por uma razão muito simples, um trauma de infância que tem sido difícil de solucionar, o medo de galinhas! Uma vergonha!... Assim, como é que eu posso ser uma mãe galinha?

Galinhas […] A imagem da «Mulher Portuguesa» que os homens portugueses fabricaram é apenas uma imagem da mulher com a qual eles realmente seriam capazes de se sentirem superiores. Uma galinha. Que dizer de um homem que é domador de galinhas, porque os outros animais lhe metem medo? Na realidade, A Mulher Portuguesa é uma leoa que, por força das circunstâncias, sabe imitar a voz das galinhas, porque o rugir dela mete medo ao parceiro. Quando perdem a paciência, ou se cansam, cuidado. A Mulher portuguesa zangada não é o «Agarrem-me senão eu mato-o» dos homens: agarra mesmo, e mata mesmo. Se a Padeira de Aljubarrota fosse padeiro, é provável que se pusesse antes a envenenar os pães e ir servi-los aos castelhanos, em vez de sair porta fora com a pá na mão. […]

(Miguel Esteves Cardoso in “A Causa das Coisas”)

domingo, 25 de setembro de 2011

Águas-furtadas da memória…

Quem pensa que a comida só faz matar a fome está redondamente enganado. Comer é muito perigoso. Porque quem cozinha é parente próximo das bruxas e dos magos. Cozinhar é feitiçaria, alquimia. E comer é ser enfeitiçado. Sabia disso Babette, artista que conhecia os segredos de produzir alegria pela comida. Ela sabia que, depois de comer, as pessoas não permanecem as mesmas. Coisas mágicas acontecem.

Os meus familiares, amigos e quem por aqui passa com alguma regularidade sabem que não tenho gosto pela arte de cozinhar. Não gosto de culinária, mas gosto de quem gosta, e gosto ainda mais de me sentar à mesa e apreciar as suas iguarias. Admito, sem pudor e descaradamente, que não sou uma mestre cozinheira, mas sou uma gastrónoma e um bom garfo…
Nem sempre foi assim. Tempos houve em que eu gostava de cozinhar e de dar mostras das minhas habilidades gastronómicas. No início dos anos 20 (dos meus, claro…) até ao final da década de 30 (a minha, claro…) eu causava alguma sensação com os meus cozinhados e as minhas doçarias. A época natalícia e as festas de aniversário eram propícias às exibições dos meus dotes culinários.
O amor é incondicional e o ódio também. Diz-se que entre os dois há uma linha muito ténue. Embora isso seja discutível, terá sido essa ténue linha a culpada pela minha mudança e, num estalar de dedos, cozinhar tornou-se uma tarefa penosa, um verdadeiro frete.
Instigada pela minha filha A., julgo que claramente saturada da trivialidade da minha comida, comecei, contrariada, a ver o programa 30 Minutes Meals (Jamie Oliver) que está actualmente a ser transmitido na SIC Mulher.
Não sei se foram as refeições rápidas, saudáveis e de aspecto delicioso, se foi o ar descontraído e espirituoso de Jamie Oliver (a antítese dos deuses da culinária nacional, como Maria de Lourdes Modesto, Chefe Silva ou Filipa Vacondeus), mas o certo é que em algum lugarzinho escondido da minha memória, em algum sítio privado e há muito abandonado, despertou a vontade, neste caso o apetite, para voltar a exaltar as minhas qualidades na cozinha.

Ben-GoossensOnly Opens, When Open For Fantasy. © Ben Goossens

Assim, aquela linha muito ténue, responsável pelo meu ódio à culinária, foi, desta vez, a causa da minha recente metamorfose, da minha nova faceta de cozinheira prendada.
Estes lugares recônditos da nossa memória pregam-nos cada partida…