Isabel Alçada. As minhas
férias grandes
JORNAL I 31/07/2017
No tempo em que eu era criança, o final das aulas e a chegada do verão
alteravam radicalmente a vida da minha família. Saíamos de Lisboa e
instalávamo-nos - avós, pais, filhos, tios e primos – nas casas de férias.
Julho e Agosto eram passados em zonas de praia, inicialmente em S. Martinho do
Porto, onde alugávamos casa, depois dos meus cinco anos na Praia das Maçãs. No
final de setembro havia ainda duas ou três semanas de férias de campo, numa
quinta de família em Vale da Pinta, Cartaxo.
As férias pareciam não ter fim. O ritmo era marcado primeiro pelas
idas à praia ou à piscina pública da Praia da Maçãs, quase sempre só de manhã.
Não dava para ir muito cedo porque naquelas paragens, onde o clima fresco tanto
agradava aos homens da família, era frequente haver neblinas e a areia estar
húmida, antes das 11 horas. Mas quer houvesse ou não houvesse Sol, lá
partíamos, cada um com o seu rolo de toalha debaixo do braço, carregando sacos
enormes onde se encaixavam baldes, pás, pregos, raquetes, bolas e barbatanas.
Tínhamos a alegria diária de encontrar os primos e amigos na paragem do
eléctrico, onde colocávamos a orelha no poste ou na linha, para calcular o
tempo de espera.
- Já lá vem- gritávamos em coro- quando sentíamos a vibração - e logo
que chegava tomávamos lugar, para uma viagem curta e deliciosa.
Na praia havia tempo para brincar, conversar, jogar, comer barquilhos,
gelados ou pevides, e nunca faltavam os banhos, sempre sob a vigilância dos
mais velhos, que nos ajudavam a conhecer as correntes e a furar as ondas
daquele mar revolto e gelado,. No final das manhãs, regressávamos a casa para o
almoço, sempre à mesa, a que se seguia a sesta do início da tarde, a que sem
êxito tentávamos escapar.
Na piscina recebíamos lições de natação e preparávamo-nos para
competições nos quatro estilos. Esforçávamo-nos por conseguir ganhar taças ou
medalhas na prova final que se realizava todos os anos por finais de Agosto, e
poder subir ao pódio, com enorme orgulho e a ilusão de ter atingido a mestria
de verdadeiros desportistas perante o olhar aprovador de primos e amigos.
Em dias especiais, fazíamos piqueniques e passeávamos na serra de
Sintra, onde visitávamos os palácios, o Castelo dos Mouros, Monserrate e tantos
outros recantos misteriosos. À noite íamos por vezes a festas das aldeias mais
próximas ou então ao cinema, montado numa tenda, de onde regressávamos a casa a
coçarmo-nos com as picadas de pulga.
No meu caso, tanto na praia, como no campo, as férias grandes eram
acima de tudo a grande oportunidade de ler. Adorava histórias de príncipes,
princesas, fadas e bruxas, mas também histórias de animais personificados,
quase sempre começadas pela fórmula: No tempo em que os animais falavam.
Recordo com saudade os livros da coleção Manecas, que fizeram as
delícias da minha geração. Era frequente deixar-me ficar no quarto, para lá da
hora marcada para o final da sesta, a ler e reler as histórias que preferia,
sem correr o risco de que alguém me viesse interromper. Uma das que li nessa
época e nunca me cansou foi o Ladrão de Bagdad com a inesquecível magia do
tapete voador. Ainda conservo A Casa de Vidro da coleção Pisca-Pisca, uma
história em que a personagem principal é um menino dente-de-leão. Encantou-me a
pontos de ter passado a seguir o voo dos pompons esvoaçantes, na vaga esperança
de que pelo menos um deles ganhasse vida.
(estes são alguns dos meus livros da colecção Manecas,
entre eles, O Ladrão de Bagdad de que fala a Isabel...)
O primeiro livro com capítulos que li de fio a pavio foi Os Desastres
de Sofia da Condessa de Ségur que tinham recebido como prémio escolar. Li-o em
francês, mas como me tornei fã da autora, comprei muitas das suas obras que se
encontravam nas livrarias em tradução portuguesa. As Meninas Exemplares, As
Férias, Memórias de um Burro tornaram-se livros de cabeceira. Foi também nas
férias grandes que me entusiasmei com o Céu Aberto e o Em Pleno Azul, de
Virgínia de Castro e Almeida. Proporcionaram-me as primeiras viagens a Itália e
à Suíça. Comovi-me com o Pequeno Lord de Frances Hodgson Burnett e chorei sobre
as páginas de Coração de Edmundo de Amicis e com as Mulherzinhas de Louise May
Alcott. Um pouco mais tarde, talvez pelos onze, doze anos, aderi às biografias
escritas expressamente para crianças, certamente muito bem, pois ainda me lembro
de ter adorado ler um livro sobre a vida de Mozart e outro sobre a de Madame
Curie, que se tornou para mim a maior das heroínas.
(estes são os meus livros de Virgínia Castro e Almeida...)
Gostei muito de ler este texto sobre as férias grandes da Isabel Alçada. Como refere, as férias grandes pareciam não ter fim e eram, de facto, a grande oportunidade de ler.
Como eu a compreendo Isabel...
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