quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Message in a bottle (80)

Isabel Alçada. As minhas férias grandes
JORNAL I 31/07/2017 


No tempo em que eu era criança, o final das aulas e a chegada do verão alteravam radicalmente a vida da minha família. Saíamos de Lisboa e instalávamo-nos - avós, pais, filhos, tios e primos – nas casas de férias. Julho e Agosto eram passados em zonas de praia, inicialmente em S. Martinho do Porto, onde alugávamos casa, depois dos meus cinco anos na Praia das Maçãs. No final de setembro havia ainda duas ou três semanas de férias de campo, numa quinta de família em Vale da Pinta, Cartaxo.  
As férias pareciam não ter fim. O ritmo era marcado primeiro pelas idas à praia ou à piscina pública da Praia da Maçãs, quase sempre só de manhã. Não dava para ir muito cedo porque naquelas paragens, onde o clima fresco tanto agradava aos homens da família, era frequente haver neblinas e a areia estar húmida, antes das 11 horas. Mas quer houvesse ou não houvesse Sol, lá partíamos, cada um com o seu rolo de toalha debaixo do braço, carregando sacos enormes onde se encaixavam baldes, pás, pregos, raquetes, bolas e barbatanas. Tínhamos a alegria diária de encontrar os primos e amigos na paragem do eléctrico, onde colocávamos a orelha no poste ou na linha, para calcular o tempo de espera.
- Já lá vem- gritávamos em coro- quando sentíamos a vibração - e logo que chegava tomávamos lugar, para uma viagem curta e deliciosa.
Na praia havia tempo para brincar, conversar, jogar, comer barquilhos, gelados ou pevides, e nunca faltavam os banhos, sempre sob a vigilância dos mais velhos, que nos ajudavam a conhecer as correntes e a furar as ondas daquele mar revolto e gelado,. No final das manhãs, regressávamos a casa para o almoço, sempre à mesa, a que se seguia a sesta do início da tarde, a que sem êxito tentávamos escapar.
Na piscina recebíamos lições de natação e preparávamo-nos para competições nos quatro estilos. Esforçávamo-nos por conseguir ganhar taças ou medalhas na prova final que se realizava todos os anos por finais de Agosto, e poder subir ao pódio, com enorme orgulho e a ilusão de ter atingido a mestria de verdadeiros desportistas perante o olhar aprovador de primos e amigos.
Em dias especiais, fazíamos piqueniques e passeávamos na serra de Sintra, onde visitávamos os palácios, o Castelo dos Mouros, Monserrate e tantos outros recantos misteriosos. À noite íamos por vezes a festas das aldeias mais próximas ou então ao cinema, montado numa tenda, de onde regressávamos a casa a coçarmo-nos com as picadas de pulga. 
No meu caso, tanto na praia, como no campo, as férias grandes eram acima de tudo a grande oportunidade de ler. Adorava histórias de príncipes, princesas, fadas e bruxas, mas também histórias de animais personificados, quase sempre começadas pela fórmula: No tempo em que os animais falavam.
Recordo com saudade os livros da coleção Manecas, que fizeram as delícias da minha geração. Era frequente deixar-me ficar no quarto, para lá da hora marcada para o final da sesta, a ler e reler as histórias que preferia, sem correr o risco de que alguém me viesse interromper. Uma das que li nessa época e nunca me cansou foi o Ladrão de Bagdad com a inesquecível magia do tapete voador. Ainda conservo A Casa de Vidro da coleção Pisca-Pisca, uma história em que a personagem principal é um menino dente-de-leão. Encantou-me a pontos de ter passado a seguir o voo dos pompons esvoaçantes, na vaga esperança de que pelo menos um deles ganhasse vida.


(estes são alguns dos meus livros da colecção Manecas, 
entre eles, O Ladrão de Bagdad de que fala a Isabel...)

O primeiro livro com capítulos que li de fio a pavio foi Os Desastres de Sofia da Condessa de Ségur que tinham recebido como prémio escolar. Li-o em francês, mas como me tornei fã da autora, comprei muitas das suas obras que se encontravam nas livrarias em tradução portuguesa. As Meninas Exemplares, As Férias, Memórias de um Burro tornaram-se livros de cabeceira. Foi também nas férias grandes que me entusiasmei com o Céu Aberto e o Em Pleno Azul, de Virgínia de Castro e Almeida. Proporcionaram-me as primeiras viagens a Itália e à Suíça. Comovi-me com o Pequeno Lord de Frances Hodgson Burnett e chorei sobre as páginas de Coração de Edmundo de Amicis e com as Mulherzinhas de Louise May Alcott. Um pouco mais tarde, talvez pelos onze, doze anos, aderi às biografias escritas expressamente para crianças, certamente muito bem, pois ainda me lembro de ter adorado ler um livro sobre a vida de Mozart e outro sobre a de Madame Curie, que se tornou para mim a maior das heroínas.


(estes são os meus livros de Virgínia Castro e Almeida...)

Gostei muito de ler este texto sobre as férias grandes da Isabel Alçada. Como refere, as férias grandes pareciam não ter fim e eram, de facto, a grande oportunidade de ler.
Como eu a compreendo Isabel...

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