A propósito do que disse aqui.
(excertos da entrevista de Ana França a Doug Lansky, no
Observador)
Doug Lansky passou 10 anos "sólidos" a viajar. Escreveu
milhares de artigos e dez livros sobre turismo, um setor que diz querer
"salvar de si próprio". Num passeio por Lisboa deixou vários
conselhos. Doug Lansky é um apaixonado pelas viagens e passou os últimos vinte
anos a analisar de que forma o turismo
em massa modifica as cidades.
A média de crescimento, a nível mundial, do número de turistas que
visita um país situa-se atualmente nos 4%; em Portugal, a linha do gráfico
dispara para os 13% e “não há nenhuma indústria que possa crescer sempre a esse
nível e sobreviver sem que a bolha rebente”, diz Lansky. A bolha que rebentará primeiro em Lisboa, antes da imobiliária,
diz, é a da “singularidade”. E o que é
uma bolha de singularidade? “São os traços distintivos de cada cidade, que se
perdem quando todos os bairros começam a ter cafés como os que há em Copenhaga,
casas modernas de linhas retas como as de Estocolmo e restaurantes de tapas
como os de Barcelona”.
Chegamos às ruas adjacentes à Rua Augusta, que reconhece da curta
visita que fez antes, e diz: “Um dia o
centro de Lisboa será igual ao centro de Londres, ao centro de Estocolmo, ao
centro de Amesterdão, ao centro de Nova Iorque, porque estas multinacionais que
por aqui vão despontando são iguais em todo o lado e a beleza ou a diversidade
dos edifícios originais não vai chegar para distinguir estas ruas de outras em
outras capitais igualmente antigas”.
Cada cidade tem o direito de fazer o que bem quiser para proteger os
seus sítios históricos. Detestava ver estas ruas maravilhosas cheias de
multinacionais e é assim que vai ser se não houver uma política de proteção,
porque essas lojas têm muito dinheiro para pagar as rendas astronómicas que se
pedem. Podemos dizer: ‘Este sítio é histórico, não teremos aqui multinacionais,
simples’.
No Largo do Carmo, Lansky pergunta sobre o 25 de Abril, reconhece a
praça de um livro. Há tuk-tuks e guias turísticos com grupos de jovens a contar
a mesma história, com mais ou menos detalhes, que Lansky acabou de relatar
segundo os livros que leu. Mas há também um grupo de rapazes jovens, com
dezenas de garrafas de cerveja pousadas num dos bancos de pedra do Largo, onde
eles já não se conseguem sentar por serem tantas. É a despedida de solteiro de
um deles, entende-se pelas promessas rocambolescas que os amigos lhe fazem para
a noite que se aproxima. Atrás da mesa que Lansky escolheu, de onde possa
fotografar os jacarandás, estão mais quatro italianos, a cantar, ou a tentar
cantar, êxitos de Pavarotti. Lansky pergunta: “Vocês não se cansam desta feira?”
Estamos aqui neste café ‘fofinho’, quantas pessoas é que é possível
acomodar de forma sustentável? Muito poucas, até se tornar mais um café igual a dezenas, pressionado a mudar o menu
para uma coisa mais saudável ou mais ‘brunch’ ou mais ‘internacional’. A razão
para que as pessoas viajam, e eu não me canso de repetir isto, é porque querem
ter uma experiência que não podem ter perto de casa. Eles querem alguma coisa
diferente. Então o que é que fazemos? Damos-lhes as mesmas coisas que têm em
casa, o conforto das marcas que conhecem, dos grelhados americanos, os sushis
caríssimos, e todas essas coisas. Estas pessoas viajam à volta do mundo
para aqui chegarem, gastam fortunas e saem do avião e ficam assim a olhar e
pensam: “Hã? Isto é parecido com a minha cidade!”. O turismo não é
uma start up. Estamos nisto a longo prazo. Nós queremos que estes sítios estejam aqui
daqui a cem ou trezentos anos. Temos que olhar para isto da mesma forma que
normalmente se olha para um parque natural, para uma reserva natural e temos
que ser protecionistas.
A França não tem todas as melhores praias do mundo ou o melhor clima
do mundo. O que eles têm é a identidade de se ser francês, a forma de vida.
Eles têm aquela atitude um pouco protecionista da sua identidade e as pessoas
vão lá para estar perto isso. E os
portugueses têm que proteger o que é português. As pessoas deixam-se intoxicar
pelo crescimento e só querem mais e mais, só que isso do crescimento infinito
não existe. Há uma altura em que pára. Se as pessoas vêm cá para ver coisas que
já não existem, vão deixar de vir. Receber bem as pessoas não é só aumentar o
número de camas disponíveis. É dar alguma coisa diferente, é criar uma marca. Tem
que existir uma história por trás da marca, todas as marcas mais inteligentes
têm essa história. As cidades não devem
perder as suas tradições, mesmo as mais estranhas. Mantenham-se esquisitos, é o
meu primeiro e último conselho.
Será que o entrevistado disse "esquisitos" ou "exquisite"? Não me parece ser relevante. "Esquisito" significa fora do vulgar, raro. "Exquisite" significa encantador ou requintado. O conselho, seja para nos mantermos fora do vulgar ou encantadores, esse sim, é importante. Lisboa deveria manter a sua singularidade e o que sinto, ao passear pela capital, particularmente nas zonas turísticas, é que Lisboa perdeu personalidade e se banalizou...
Sem comentários:
Enviar um comentário