Sinopse
Alma cozinha, pensa e escreve. E
faz tudo isso com o auxílio dos temperos: ora caril, ora paixão, ora açafrão,
ora emoção. A comida nasce do seu encontro com a vida, e os alimentos são as
ferramentas que cozinham as suas conclusões. Ao abrir este livro encontrará
receitas completas, saudáveis e alternativas, que poderão ser colocadas em
prática. Para isso, apenas precisa deixar-se temperar pelas palavras,
sentimentos e emoções que as descrevem. Conheça Alma e os seus temperos e, quem
sabe, talvez a sua vida ganhe outro sabor, e a sua cozinha outro valor.
A pedido de uma amizade, comecei a ler Temperos com Alma. Confesso que iniciei a leitura com um certo
cepticismo. A primeira frase da introdução,
Se gosta de romance e de cozinha, encontrou o seu “prato” perfeito, não me
pareceu um ingrediente estimulante nem apurou o meu desejo de continuar a ler.
Primeiro, porque cozinhar é um verbo que não aprecio conjugar, particularmente
na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, “eu cozinho”.
Segundo, porque a minha paciência para assuntos relacionados com a nutrição é
quase zero. É a minha “intolerância alimentar”, caracterizada pela incapacidade
de digerir determinadas normas alimentícias e dietas saudáveis. Esta
incapacidade deve-se à falta de disciplina alimentar ao longo dos anos, padrões
alimentares errados e ditados populares que nos foram embutidos desde tenra
idade, como, por exemplo, o que sabe bem,
ou faz mal ou é pecado; peixe não puxa carroça; morra Marta morra farta; o que
não mata engorda; quem não presta para comer, não presta para trabalhar.
No entanto, como sei que a paciência é amarga, mas o seu fruto é doce,
virei a página, convicta de que não me iria deixar convencer por conselhos
alimentares, e mergulhei, qual casca de limão, na água morna que Alma tinha ao
lume para fazer arroz doce… O movimento da colher de pau envolveu-me num turbilhão
delirante de palavras mágicas, cozinhadas sabiamente em lume brando e, nesse
instante, percebi que, afinal, o livro tinha miolo, melhor, parecia ter um
recheio apaixonadamente cremoso de sabores, cheiros e sensações. Costumo pensar
que o que é cerebral me fascina mas, na realidade, a minha verdadeira vida é a
dos sentidos. Com esta ideia e a proeza do arroz doce, que me amaciou o
espírito e aguçou o apetite, continuei a leitura.
Fiquei a saber que o ácido málico da maçã contribui para o bom
funcionamento da vesícula e confirmei que esta namora às escondidas com o
fígado. Já suspeitava disso, desde que a minha vesícula começou a andar
“pedrada”. Pedras filosofais em “bebedeiras de azul”, só pode ser paixão… Revi-me
na Cebola que depois de cozinhada fica doce, tal como eu fico mais apurada com
o cozinhar do tempo; assemelho-me a um Pickle e sou tal e qual o Risoto, não
gosto de esperar…
Nunca me tinha passado pela cabeça que um Assado de Legumes com Alecrim
podia ser um baile ou que a amizade é como a Sopa da Abundância, mas, embebida
nesta feitiçaria culinária, fui compreendendo que cozinhar é muito mais do que
fazer comida, é criar arte e poesia, amor e fantasia. E, talvez porque uma
folha de hortelã parece ter o dom de abrir um espaço na mente que nos
transporta para outros lugares, imaginei-me a apreciar uma tela com o Empadão
de Millet, num qualquer museu do mundo, ou a gargalhar com a Tarte de Cuscuz num
número acrobático circense, aplaudida pelas equilibristas Sementes de Alfafa…
Como as palavras são como as cerejas, malabarista é também a autora,
que, num jogo caleidoscópico de palavras, ligou de forma harmoniosa e suculenta
os alimentos, os sentimentos e as emoções, personificando-os e aromatizando-os
até estarem no ponto perfeito. Numa palavra, delicioso. Em duas, deliciosamente
divinal!
Temperos com Alma é um
eufemismo total. A ideia, para mim desagradável, de cozinhar, é aqui
apresentada de uma forma suave e encantadora, salpicada de temperos e aromas.
Fechei o livro, aliás, “selei-o”, para ele manter toda a sua
suculência.
Sei que a vida é como uma comida
que não conhecemos, se não experimentarmos nunca saberemos o seu sabor! Sei que
todo o burro come palha, o que é preciso é saber dar-lha, mas como o dizer e o
fazer não comem à mesma mesa, não poderei afirmar que irei, resolutamente,
alterar os meus hábitos alimentares depois da leitura deste livro, pois a
probabilidade de falhar é grande e poria em risco a minha palavra. Não se trata
de uma desconsideração, mas um contra-senso, que assumo, mas me ultrapassa, e
um desacerto temporal com o meu tempo interior… Serei absolvida por ser esta a
minha verdadeira essência? Há quem tempere com alma, eu realço o sabor da vida
à minha maneira, de queda em queda, passo a passo, entre umas lágrimas de sal e
umas risadas de picante, dissolvidas no dia-a-dia…
Temperos
com Alma, um
livro que se lê num fôlego, ou será que deveria dizer, numa garfada?
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