segunda-feira, 7 de agosto de 2017
domingo, 6 de agosto de 2017
A melhor compota é a uvada...
(Por Miguel Esteves Cardoso, Jornal Público, 2012)
O melhor doce português de todos é uma compota feita só com fruta. Não
leva um só grama de açúcar. É verdade que está quase 20 horas ao lume e que tem
um ingrediente secreto, (uma fruta difícil de encontrar), pelo que não apetecerá
fazer em casa.
É a uvada. Comê-la é voltar à meninice, ao prazer de enfiar um dedo
desobediente numa tigela de marmelada recém-cozida e deixada ao sol a secar e
trazer um pedacinho pegajoso para a boca. Sabe a antes de Afonso Henriques, a
prazer antigo que o tempo deveria ter levado mas, por sorte, deixou.
A uvada que conheço é feita pelos Doces d"Arada, na Quinta Margem
d"Arada, em Olhalvo, perto de Alenquer. Têm um bom site mas
não consegui falar com eles através dos números que lá constam.
Quem me aconselhou a uvada foi o gastrónomo José Rocha Lopes, dono da
Garrafeira São Pedro em Torres Vedras que conhece a senhora
inspiradíssima que faz a uvada. É na garrafeira dele que se vende cada tigela a
5,40 euros. Não há maneira mais mágica de gastar uma nota de cinco euros e duas
moedas de vinte cêntimos, garanto-vos.
A novidade da uvada é a antiguidade dela. É feita apenas com mosto de
uvas. Ferve-se em fogo lento durante horas e horas até perder a água. Fica
então o "arrobe" ao qual se acrescenta o tal ingrediente secreto. Há
quem faça com maçã bravo de esmolfe mas não é esse o ingrediente secreto da
Dona Celeste, esclareço já.
Só ela é que sabe fazer esta uvada e é escusado tentar fazê-la em
casa. No site, espreite a cozinha moderníssima onde é feita e
ficará logo desanimado. Felizmente, não se trata de uma senhora idosa a
trabalhar numa pequena casa no coração de Trás-os-Montes que só faz uma vez por
ano, por altura das vindimas, para os amigos.
Na uvada da Dona Celeste existe uma magnífica aliança de uma receita
antiquíssima, eximiamente executada sem qualquer concessão, com uma pequena
unidade de produção apoiada por uma conhecida companhia de vinhos.
Mosto, peros, lenha, tempo, sabedoria e paciência: são estes os únicos
ingredientes. Nenhum dele foi inventado nos dois últimos milénios. Se leva
muito tempo a fazer, também dura muito tempo. No site diz-se
que a uvada "pode ter longa duração, sendo perfeitamente consumível ao fim
de dois, três ou mais anos, altura em que pode ser fatiado ou cortado aos
cubos".
A Maria João e eu rimo-nos sempre que lemos este parágrafo porque a
mais longa duração que uma tigela de uvada atingiu entre nós foi cerca de duas
horas. É deliciosa demais para guardar mais do que uma semana. Só depositando
uma dúzia de tigelas num cofre pré-programado só para abrir em 2015 é que
poderíamos provar os provavelmente espantosos cubinhos de uvada.
Aqui se vê em prática que o tempo, só por si, é um investimento. Uma
receita dura milénios, leva um dia inteiro a fazer e, mesmo assim, num
"ambiente arejado e seco", pode durar mais de três anos.
Os ingredientes da uvada estão todos ali ao pé da cozinha da Dona
Celeste: as vinhas e as macieiras. Nem é preciso ir comprar um pacote de
açúcar. É incrível. Até no meio de um pomar de marmeleiros se alguém quiser
fazer marmelada tem de ir buscar açúcar.
Como se diz no site, a uvada "é um testemunho de uma
economia frugal, de tempos em que as famílias viviam essencialmente do que
produziam nas suas terras". O açúcar só existe há poucos séculos e até há
pouco tempo o preço era exorbitante. A uvada é muito mais antiga do que o
açúcar e, dadas as tendências do tempo presente, muito mais moderna.
As compotas portuguesas de produção artesanal são muito, muito boas.
Não se esquecem certos doces de ginja ou de tomate, tal a profundidade do sabor
que deixaram nas nossas bocas.
Mas também se deve celebrar a uvada e outros doces feitos só com os
açúcares das nossas uvas - ou com mel. A uvada tem um sabor misterioso, apurado
e inesperado. Basta uma colherada e fica-se acólito toda a vida. Toda a santa
vida.
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Gostos não se discutem...,
Message in a bottle
A que cheira a minha infância?
A razão que me
levou a escrever este texto foi o perfil de uma professora polaca no
Postcrossing. Pedia, a quem lhe escrevesse, que mencionasse os cheiros da
infância. What smells like childhood for
you? Achei uma pergunta engraçada e, como tudo o que se relaciona com
a minha infância me desperta interesse, enviei-lhe uma lista de cheiros que
evocavam ternas lembranças. Ela gostou tanto que acabámos a trocar mensagens
por haver cheiros da infância que partilhamos…
Há cheiros que
nos transportam até à nossa infância e, por momentos, voltamos a ser crianças. E
a que cheira a minha infância? A minha infância cheira a sabão azul e branco e
roupa a corar ao sol; cheira a sopas de café com leite e uvada acabadinha de
fazer (já aqui falei nisto); cheira a café de cevada e a leite em pó; cheira a
maçãs Casanova perfumadas (e com bicho, sinal de que eram boas…) e a laranjas
colhidas das árvores; cheira a glicínias e a resina e caruma de pinheiros;
cheira a milho e cevada armazenados em grandes arcas; cheira a azeitonas esmagadas
no lagar; cheira a porcos e galinhas; cheira a hortelã e a gente do campo; cheira
a terra molhada depois de regar o quintal; cheira a velas e a petróleo dos
candeeiros antigos; cheira a pó de giz e a madeira de soalho da sala de aula;
cheira a maresia carregada de iodo nas manhãs de neblina; cheira a humidade e a
fresco; cheira a colchões de palha; cheira a cânfora e a álcool que o meu
avozinho R. usava nas ventosas de vidro para atenuar as dores musculares (técnica
antiga, hoje conhecida por ventosa terapia); cheira a Vick VapoRub e a óleo de
fígado de bacalhau; cheira a livros velhos; cheira à casa onde vivi, às casas
dos meus tios e dos meus avós… enfim, cheiros que me trazem sensações de bem-estar,
tranquilidade e conforto e me deixam saudades da minha inocência infantil…
Os psicólogos
dizem que os “Fragrant Flashbacks” demonstram a íntima relação que existe entre a memória, o olfacto e a nossa infância.
Como disse Alice Vieira, “Há cheiros da infância que não morrem nunca,
nem sequer envelhecem como a nossa pele”.
sábado, 5 de agosto de 2017
Uma noite de gargalhadas
Se acham que a vossa família é doida, vão chorar a rir com a família Bartolomeu...
Espectáculo sem paragens, completamente alucinante, muito, muito bom!
Espectáculo sem paragens, completamente alucinante, muito, muito bom!
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
Message in a bottle (80)
Isabel Alçada. As minhas
férias grandes
JORNAL I 31/07/2017
No tempo em que eu era criança, o final das aulas e a chegada do verão
alteravam radicalmente a vida da minha família. Saíamos de Lisboa e
instalávamo-nos - avós, pais, filhos, tios e primos – nas casas de férias.
Julho e Agosto eram passados em zonas de praia, inicialmente em S. Martinho do
Porto, onde alugávamos casa, depois dos meus cinco anos na Praia das Maçãs. No
final de setembro havia ainda duas ou três semanas de férias de campo, numa
quinta de família em Vale da Pinta, Cartaxo.
As férias pareciam não ter fim. O ritmo era marcado primeiro pelas
idas à praia ou à piscina pública da Praia da Maçãs, quase sempre só de manhã.
Não dava para ir muito cedo porque naquelas paragens, onde o clima fresco tanto
agradava aos homens da família, era frequente haver neblinas e a areia estar
húmida, antes das 11 horas. Mas quer houvesse ou não houvesse Sol, lá
partíamos, cada um com o seu rolo de toalha debaixo do braço, carregando sacos
enormes onde se encaixavam baldes, pás, pregos, raquetes, bolas e barbatanas.
Tínhamos a alegria diária de encontrar os primos e amigos na paragem do
eléctrico, onde colocávamos a orelha no poste ou na linha, para calcular o
tempo de espera.
- Já lá vem- gritávamos em coro- quando sentíamos a vibração - e logo
que chegava tomávamos lugar, para uma viagem curta e deliciosa.
Na praia havia tempo para brincar, conversar, jogar, comer barquilhos,
gelados ou pevides, e nunca faltavam os banhos, sempre sob a vigilância dos
mais velhos, que nos ajudavam a conhecer as correntes e a furar as ondas
daquele mar revolto e gelado,. No final das manhãs, regressávamos a casa para o
almoço, sempre à mesa, a que se seguia a sesta do início da tarde, a que sem
êxito tentávamos escapar.
Na piscina recebíamos lições de natação e preparávamo-nos para
competições nos quatro estilos. Esforçávamo-nos por conseguir ganhar taças ou
medalhas na prova final que se realizava todos os anos por finais de Agosto, e
poder subir ao pódio, com enorme orgulho e a ilusão de ter atingido a mestria
de verdadeiros desportistas perante o olhar aprovador de primos e amigos.
Em dias especiais, fazíamos piqueniques e passeávamos na serra de
Sintra, onde visitávamos os palácios, o Castelo dos Mouros, Monserrate e tantos
outros recantos misteriosos. À noite íamos por vezes a festas das aldeias mais
próximas ou então ao cinema, montado numa tenda, de onde regressávamos a casa a
coçarmo-nos com as picadas de pulga.
No meu caso, tanto na praia, como no campo, as férias grandes eram
acima de tudo a grande oportunidade de ler. Adorava histórias de príncipes,
princesas, fadas e bruxas, mas também histórias de animais personificados,
quase sempre começadas pela fórmula: No tempo em que os animais falavam.
Recordo com saudade os livros da coleção Manecas, que fizeram as
delícias da minha geração. Era frequente deixar-me ficar no quarto, para lá da
hora marcada para o final da sesta, a ler e reler as histórias que preferia,
sem correr o risco de que alguém me viesse interromper. Uma das que li nessa
época e nunca me cansou foi o Ladrão de Bagdad com a inesquecível magia do
tapete voador. Ainda conservo A Casa de Vidro da coleção Pisca-Pisca, uma
história em que a personagem principal é um menino dente-de-leão. Encantou-me a
pontos de ter passado a seguir o voo dos pompons esvoaçantes, na vaga esperança
de que pelo menos um deles ganhasse vida.
(estes são alguns dos meus livros da colecção Manecas,
entre eles, O Ladrão de Bagdad de que fala a Isabel...)
O primeiro livro com capítulos que li de fio a pavio foi Os Desastres
de Sofia da Condessa de Ségur que tinham recebido como prémio escolar. Li-o em
francês, mas como me tornei fã da autora, comprei muitas das suas obras que se
encontravam nas livrarias em tradução portuguesa. As Meninas Exemplares, As
Férias, Memórias de um Burro tornaram-se livros de cabeceira. Foi também nas
férias grandes que me entusiasmei com o Céu Aberto e o Em Pleno Azul, de
Virgínia de Castro e Almeida. Proporcionaram-me as primeiras viagens a Itália e
à Suíça. Comovi-me com o Pequeno Lord de Frances Hodgson Burnett e chorei sobre
as páginas de Coração de Edmundo de Amicis e com as Mulherzinhas de Louise May
Alcott. Um pouco mais tarde, talvez pelos onze, doze anos, aderi às biografias
escritas expressamente para crianças, certamente muito bem, pois ainda me lembro
de ter adorado ler um livro sobre a vida de Mozart e outro sobre a de Madame
Curie, que se tornou para mim a maior das heroínas.
(estes são os meus livros de Virgínia Castro e Almeida...)
Gostei muito de ler este texto sobre as férias grandes da Isabel Alçada. Como refere, as férias grandes pareciam não ter fim e eram, de facto, a grande oportunidade de ler.
Como eu a compreendo Isabel...
quarta-feira, 2 de agosto de 2017
terça-feira, 1 de agosto de 2017
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