Durante estes três
anos e meio de ausência, o panorama da minha vida alterou-se. A nossa vida é
marcada por acontecimentos e alguns são inevitáveis, interferindo de forma
positiva ou negativa na nossa existência.
Alguns, varrem-se da memória como um castelo de areia à beira mar,
apagam-se com o tempo; outros, deixam marcas, deixam saudades, deixam
lembranças, ficarão na nossa memória para sempre. Doces ou amargos, os
acontecimentos fazem parte da nossa vida e, custe o que custar, temos que
seguir em frente.
No seu último livro “A
Hora da Estrela”, Clarice Lispector diz “a vida é um soco no estômago”. Julgo
que a autora não quis dizer que a vida é toda ela feita de situações
inesperadas e negativas e que temos que nos conformar com isso. Creio que a
frase pode ser interpretada de uma forma mais abrangente e profunda porque a
vida causa dor, mas também nos regozija, magoa e deleita, tira o fôlego e dá
alento, enfraquece e dá-nos força, desgasta e estimula, atormenta e tranquiliza,
é tumulto e bonança, razão e emoção, é adrenalina e fadiga, afectos e frieza,
entusiasmo e desânimo… A vida é, de facto, um murro no estômago, uma vez que é
uma manifestação constante e imprevisível de sentimentos entre o desassossego e
a serenidade.
Nestes três anos e
meio de ausência, perdi dois amigos. Dois amigos que eram irmãos. Num espaço de
cinco meses, a mãe ficou sem os dois filhos, ambos na casa dos 50. Ambos
inesquecíveis. Até há pouco tempo, fui incapaz de apagar os contactos deles do
telemóvel, como se ao eliminá-los quebrasse o último elo e tivesse que admitir
que não mais os veria, que faltavam peças no puzzle da minha vida. Doces ou
amargos, os acontecimentos fazem parte da nossa vida e, custe o que custar,
temos que seguir em frente…
Nestes três anos e
meio de ausência, perdi a minha mãe, dois dias antes da minha filha mais nova
fazer anos. Devido à idade e ao desinteresse pela vida que se enraizou após a
morte do meu pai, a partida da minha mãe não me causou surpresa e, embora pareça
de uma cruel insensibilidade, não me perturbou como a do meu pai. Ainda que,
nos últimos dias de vida, a minha mãe não dialogasse, consegui transmitir-lhe
tudo o que ela sempre representou para mim, todo o meu amor e o enorme orgulho
por ser sua filha. Penso que terá partido feliz. Ao contrário, a morte do meu
pai, apesar da doença, foi inesperada, um murro no estômago que ainda não
ultrapassei totalmente porque o desenrolar dos acontecimentos foi demasiado
célere e não me permitiu dizer-lhe as palavras que nunca lhe direi… Disse-as
mais tarde, numa angústia só minha, mas o significado perdeu-se no tempo
impossível de parar…
Nestes três anos e
meio de ausência, a minha filha mais nova entrou na universidade e estará no 3º
ano no próximo ano lectivo. Sempre pensei que proporcionar um curso superior
aos filhos seria a melhor herança que podemos deixar-lhes. Uma ferramenta para
que possam ser livres e tomar opções, mesmo que sigam uma via diferente da que
estudaram. O tempo da universidade é de crescimento académico e pessoal, de
convivência e de organização, e tudo isto será sempre muito vantajoso no
futuro. Espero que viva a vida em pleno, intensamente, como um soco no
estômago, mas sem esquecer a sua essência e os valores que lhe passei.
Nestes três anos e
meio de ausência, ganhei um genro. Ganhei no verdadeiro sentido da palavra,
acho-o imperdível. Os dois, seguros e equilibrados, bem resolvidos com a vida.
A minha filha mais velha casou no mesmo ano em que perdi a minha mãe. Um
acontecimento feliz que veio atenuar o outro. A vida é assim, uma manifestação
constante e imprevisível de sentimentos entre o desassossego e a serenidade…
2 comentários:
Ao ler este post dei por mim a lembrar-me de uma das adivinhas que aparece no livro "O Hobbit", cuja resposta é o Tempo:
"Esta coisa todas as coisas devora:
Pássaros, animais, árvores e flores;
Rilha ferro, morde aço;
Transforma pedras duras em farinha;
Chacina reis, arruína cidades,
E derruba montanhas."
Ainda encontrei estas duas frases de Mário Quintana (poeta, tradutor e jornalista brasileiro) que têm tudo a ver contigo:
"A saudade é o que faz as coisas pararem no tempo."
"O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente..."
Não li "O Hobbit", mas a adivinha que aqui partilhaste é pertinente, o tempo todas as coisas devora e não há forma de o deter, é imparável e implacável!
Só a saudade e o passado o desafiam, embora seja uma luta contra moinhos de vento...
Obrigada por me compreenderes...
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